Puxe o Alfinete

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Senti estar deitada em um colchão, antes de abrir meus olhos. Diferente de todas as vezes em que acordara em um ambiente novo, não procurei pensar no que eu havia feito antes de dormir. Eu já sabia e não queria lembrar. Enrolei-me ainda mais no lençol que me cobria, inutilmente porque não dormiria de novo.

-Eu achei alguns animais grandes para caçar, aqui perto. Você precisa se alimentar. Seus olhos já estão negros como carvão. –ouvi a voz de Ethan e abri meus olhos, lentamente.

-É, eu preciso. –falei assim que me sentei. –Onde estamos?

-Ainda perto da praia, ainda em uma ilha...

-Uma ilha? –questionei surpresa.

-Sim. Não tenho problemas com o seu peso, portanto poderia te carregar facilmente, depois de chegarmos até a cidade com o barco, mas seria um pouco estranho.

Após pensar nas pessoas confusas com Ethan chegando de barco, carregando um corpo desacordado em seu colo, sem nenhuma bagagem além de minha mochi...

-Minha mochila?! –lembrei que a havia deixado em cima do penhasco.

-Do lado da cama... Anne, eu não quero te obrigar a nada, mas...

-Mas? –Ethan demorou para continuar, então o apressei, por pura curiosidade.

-Tem coisas aqui. –ele apontou rapidamente para minha mochila. –Que talvez seja melhor você se livrar.

Meu semblante expressou seriedade, absorvendo aquelas últimas palavras . Tinha plena consciência sobre o que Ethan estava falando. Eu guardava comigo a reportagem do suicídio... Talvez eu precisasse mesmo se livrar daquele pedaço de papel que marcava o dia em que perdi o amor da minha vida completamente humana, e me sentia preparada para aquilo, pela primeira vez.

Então olhei para minha mochila, a abri e peguei a folha extremamente sensível pelo tempo, a desdobrei e li pela última vez a notícia da última escolha de Phillip. “O jornalista Phillip Williams, noivo de Anne Wheeler, lançou-se para a morte”.

-Eu o via... –suspirei de forma intensa, como se pudesse, conseguindo forças para continuar a falar. –Depois dele... Eu o via todo dia durante um mês, antes de ser transformada... Depois de uma semana e meia tentando dormir, desisti, pois os sonhos que eu tinha acabavam em lágrimas quando acordava, e os pesadelos me despertavam em gritos... Então foi mais fácil desistir... Mas foi neste ponto que comecei a ver uma ilusão perfeita de Phillip sentado na borda da minha cama, toda madrugada... Ele acariciava os meus cabelos e dizia que tudo iria ficar bem... E toda manhã, enquanto a luz do Sol atravessava a janela do quarto, ele sumia lentamente com ela. –abracei-me a mim mesma, sentindo o eco do vento no vácuo que estava em meu peito há anos. –Esse se tornou o principal motivo para passar as noites acordada... Ver ele mais uma vez... Eu me levantava apenas para ir ao banheiro ou beber água, durante o dia... Pensava que ele viria toda noite até chegar a hora de segui-lo... Quando fui transformada, foi a primeira coisa a qual realmente senti falta e com ela, uma dor aguda em meu peito... Eu não podia mais vê-lo... Tentei me matar, com minha falta de conhecimento sobre o que era, e nada funcionava. Quando me dei conta de que Phillip não viria me buscar, desisti... Tentei dormir para pelo menos vê-lo em sonhos e pesadelos, mas não tinha nenhum. Não poderia mais o ver... Nunca mais. –passei rapidamente minha mão direita sob minhas bochechas, limpando o rastro das lágrimas, então olhei para o rosto desenhado de Phillip no pedaço de papel, em minha mão. –Esse desenho se tornou a única lembrança sólida do rosto dele.

I am short of breath

*Estou com falta de ar*

Standing next to you

*Ficando perto de você*

I am out of my depth

*Estou fora de meu alcance*

At this altitude

*Nesta altitude*

Após isso, caminhei até a praia, rasgando a folha em pequenos pedaços, lentamente. O mundo ao meu redor parecia estar em câmera lenta, enquanto eu despedaçava o que havia me despedaçado milhares de vezes.

Like the world makes sense

*Como o mundo faz sentido*

From your window seat

*Da sua janela*

You are beautiful

*Você é linda*

Like I've never seen

*Como eu nunca vi*

Quando senti a areia, tirei meus sapatos e continuei caminhando até sentir a água. Ventava um pouco mais que o normal para uma praia e aquilo era bom. Assim que a água chegou até meus pés, eu parei e estendi minhas mãos com os pedaços da notícia.

-Você preferiu ir…

Go ahead and laugh

* Vá em frente e sorria*

Even if it hurts

* Mesmo se doer*

Go ahead and pull the pin

* Vá em frente e puxe o alfinete*

-Eu nunca vou julgá-lo, pois te entendo, muito... Mas não posso mais carregar isso. –abri minhas mãos e deixei que o vento levasse todos os pequeninos pedaços de papel.

What if we could risk

* E se pudéssemos arriscar*

Everything we have

* Tudo o que temos*

–Foi uma bela história...


And just let our walls cave in

* E deixar nossas paredes desmoronarem*

Fiquei ali, sentindo-me quebrada por dentro. Mas, no fundo, sabia que meu coração estava começando a se consertar. Fiquei ali, olhando para o horizonte, para as ondas, para o mar infinito que se fundia ao céu e, enfim, senti a paz que Beethoven me ensinara, novamente.

“-Os sorrisos são eternos.”, pensei sorrindo.


And just let our walls cave in

* E deixar nossas paredes desmoronarem*







Where I Go?Where stories live. Discover now