Capítulo 1 - Vale das Sombras

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Quinta-feira, 23 de julho de 2020. Aquele dia parecia normal como qualquer outro, mas não era bem assim… Em plena pandemia de coronavírus, eu tinha motivos de sobra para não estar feliz.

A vida foi ótima para mim depois de meu casamento com Elizabeth, mas ali eu estava de volta à Geena, ao escuro e triste vale das sombras. Meu semblante cansado estampava o sofrimento pelo qual passava.

Fora dias difíceis, aonde meu coração chegou ao limite de suas forças e, por muito pouco, eu não subi à “Mansão dos Mortos”. Casado há mais de 10 anos com minha “ninfa”, eu agora “chefiava” uma família grande.
 

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Ao chegar ao estacionamento do hospital Beneficência Portuguesa, o “Benê”, eu não sabia se entrava no carro ou dava meia volta, buscando uma forma de ficar mais perto dela. Não dava, pois, a ala de tratamento de Covid-19 era de altíssima segurança.

Já havia se passado 31 dias desde que Elizabeth dera entrada no hospital com sintomas de Sars-Cov2. Com falta de ar, minha amada esposa teve que ficar internada para receber oxigênio. Assustada, Beth se deu conta da gravidade do problema, visto que adiou sua ida ao hospital, embora eu tivesse insistido muito.

Não era a primeira vez que minha doce loira evitava ir ao atendimento médico, mesmo sabendo que estava muito ruim. Em nossos anos de casados, essa fora a terceira vez que ela fazia isso. Como me recordo bem, a primeira tivemos uma crise…

Então presidente da construtora, Elizabeth Smith era uma mulher muito ocupada, que continuava a dar importância demais aos negócios deixados por Sir Joseph. Após a morte do velho “inglês”, ela conseguiu rapidamente alcançar o topo da empresa.

Enquanto fazia isso, no entanto, não observou que nossa família estava passando por momentos que exigiam mais de sua presença, especialmente em relação à Ana Maria, nossa filha.

Ali, parado ao lado do carro, eu não tinha muitas lágrimas para derrubar. Eu já portava olheiras e sob minha máscara facial, minha boca se mantinha entreaberta, buscando fôlego que não precisava. Eu não testei positivo para Covid-19, mesmo convivendo com Beth.

Achei muito estranho a princípio, mas essa doença parece escolher em quem atuará e, em muitos casos, matar. Meus filhos felizmente não pegaram e isso foi um alívio enorme para um pai, que sempre se considerou presente na vida deles. Bem, eu acho…

Com o sol daquela manhã a banhar uma cidade que sofria como o resto do mundo, ou quase, eu tomei força novamente e iniciei o movimento para entrar no carro, que não era o meu fiel companheiro, o Fusca 1500 azul.

Ao tocar na maçaneta para destravar a porta do Range Rover Evoque 2019, de cor branca, ouvi alguém me chamar. Sua voz era inconfundível e fiquei feliz — e surpreso — ao ouvi-la.

— Regi! — exclamou Amanda.

Olhei na direção dela, que veio rapidamente do outro lado do estacionamento do Benê. Com um moletom bege e calça jeans desbotada, Amanda calçava um tênis laranja bem chamativo, presente de seu maior fã, um jogador de futebol…

Sob a máscara cor-de-rosa com coraçõezinhos brancos, eu podia ver — ainda que fosse impossível, é claro — seu lindo sorriso. Seus olhos castanhos claros miraram nos meus, cerrado levemente, indicando nutrir ali o mesmo sentimento que eu.

— Oi, Mandinha — cumprimentei.

— Oi, meu amor, como você está? Eu te liguei desde cedo… — disse minha ex-mulher.

— Desculpe, eu só ligue o aparelho de manhã e até agora não olhei as chamadas, deixei-o no modo silencioso — expliquei.

Observando minha mudança diante do caso, Amanda rapidamente tocou em meu ombro e disse:

O que ela viu em mim? - Volume 3Место, где живут истории. Откройте их для себя