Capítulo 3 - Por que você me deixou?

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Nunca me esquecerei daquele olhar... Dos brilhantes olhos verdes que me cativavam. Das sardas charmosas que embelezavam seu ser. E de suas madeixas alaranjadas nas quais muitas de minhas lágrimas eu depositei. É com estas caindo agora que me recordo dela e de seu triste destino...

Tudo começou quando a pandemia chegou. Médica pediatra, Kelly era um dos milhões de profissionais de saúde na linha de frente. Como soldados desarmados diante de um inimigo feroz, eles corriam riscos demais para salvar vidas.

Minha amada ruiva, sem dúvidas, estava entre eles. Na primeira semana de abril, já isolado no Castelo Inglês, eu fui acordado por uma Elizabeth assustada e já com os olhos encharcados.

— Amor, acorde!

Ainda sonolento, mirei em Beth, que não fez rodeio sobre a gravidade da situação.

— Regi, meu amor, você precisa ir buscar o Will e é urgente.

Estranhando o pedido, eu perguntei:

— O que foi amor? Por que tenho de buscá-lo?

— Kelly está doente, ela suspeita. Não... Ela afirma que está contaminada com Covid-19.

Meu Deus! Quando o nome dessa maldita doença saiu dos lábios de Elizabeth, eu levei um choque enorme. Sabíamos que não havia cura, nem vacina, nem nada. Era tratar e rezar para se salvar. Quando pensei em Kelly, levantei da cama quase que instantaneamente.

— Amor, eu já estou indo lá! Prepara o quarto de hóspedes pro Will, ele terá que ficar lá por duas semanas, tudo bem?

— Sim, pode deixar! Vou agora lá.

— Tão bom meu amor, vou pegar duas máscaras e quero que você e Aninha fiquem no quarto quando eu entrar com ele, viu?

Elizabeth concordou. Estava apavorada com a situação. Eu, apressadamente, vesti-me com o que achei primeiro e pedi que ela ligasse para Kelly, informando que eu estava indo.

Ao sair no quintal, ponderei pegar o Evoque blindado, mas acabei optando pelo meu velho Fusca, porque eu podia abrir as janelas e ventilar o interior. O medo de Will estar contaminado era enorme.

Quando cheguei ao prédio, eu não pude ver a ruiva, ainda em casa. William trazia uma enorme bolsa esportiva, que ele usava para viajar com o Santos Futebol Clube. Tinha ainda uma mochila nas costas.

O loirinho, com um corte elegante e máscara com o escudo do "Peixe", veio ao meu encontro, vestindo sua única calça jeans e uma camisa laranja. Seus olhos verdes como de Mark estampavam a triste de deixar a mãe naquelas condições. Tive vontade de abraçá-lo, mas não podia...

Apertando-se no banco traseiro do Fusca, afinal, ele já tinha 1,80 m com 15 anos, Will desabafou:

— "Tio", eu queria muito ficar com ela, mas sei que dona Kelly é irredutível. Nem o assunto pude discutir...

— Calma, Will, pois ela sabe o que está fazendo. O importante agora é você ficar conosco em quarentena e depois que ela melhorar, você volta.

— Sei não, Regi, a gente vê muita coisa na TV e sei de parentes da molecada do time que já faleceram.

Ao ouvir, o medo de perder Kelly assumiu em mim a dimensão da raiva, por tudo o que acontecia e eu o repreendi. Confesso, fui duro demais com ele, mas eu estava aflito por ela...

— Tá ficando louco?! Cara, para com isso! Vira essa boca pra lá! Tua mãe é forte e ela vai ficar bem! Ficará sim!

Olhei pelo retrovisor interno e vi o jogador do sub-15 do Santos assustado com minha atitude. Will tinha razão, afinal, eu nunca levantara a voz dessa forma para ele e nem para Fábio. Quando percebi, não me reconheci...

O que ela viu em mim? - Volume 3Where stories live. Discover now