Capítulo 32 - Órfão

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A chuva caía lentamente sobre a cidade de Santos naquela tarde de terça-feira, dia 15 de setembro de 2020. Naquele prédio muito alto, junto ao morro, minha família estava reunida. Contudo, não havia clima de festa.

Na verdade, era de despedida, um duro adeus para meu irmão Rogério e sua amada Kátia, o "Oráculo". Eu, em meu terno preto, sentia muito mais frio que os 19 °C indicados no smartphone. Ao meu lado, a enlutada Beth se ocultava atrás de seus óculos escuros e parecia firme, segurando minha mão.

Não era moda, seus olhos verdes perderam um pouco do brilho e as olheiras eram, sim, bem visíveis. Enquanto dois funcionários preparavam o lóculo duplo naquele estranho, porém, luxuoso cemitério, busquei meus pais, igualmente semioculto em meus óculos.

"CA" procurava se manter firme diante da dor da perda, mas não fazia por ele próprio e sim por aquela que ele sustentava ao lado, minha mãe. Maria de Fátima imaginou um dia partir, deixando sua memória com todos os filhos e netos, mas não foi assim...

Com lenço no rosto, ela apresentava a força que sempre nos deu para viver nesse mundo. Vê-la daquele jeito só me fazia derramar mais de meu mar, que imaginei estar seco de tanto chorar suas águas. Virei a cabeça em direção a John que, em pé, parecia desprovido de alma.

Seu semblante não exalava vida, não aquela que vi quando respondi a ele com um: "sim". Naquele momento, John ganhara mais disposição para viver ao lado dela, que agora o amparava, ainda que não parecesse ter forças para isso. Susana, sua prima e namorada, era o pilar que o mantinha de pé.

Próximo, Fabinho estava ao lado de Laura, que envolvia seus braços no corpo esguio do jovem atleta. Ele a cobria com um dos braços e mantinha seu olhar triste ao chão. William, de braços cruzados, igualmente contemplava o piso de mármore claro.

Com as mãos envolvendo o corpinho da pequena loira, Amanda parecia a mãe de Ana Maria, dado o carinho e atenção que tinha com a menina. Esta, com olhar triste, não imaginou que seu aniversário pudesse antecipar tamanha perda.

Naquele largo corredor, igualmente de preto como todos, exceto meus pais, Sofia se escondia sob os óculos, mas não chorava, é claro. Por insistência da filha, compareceu, mas manteve distância de mim e Elizabeth que, por vezes, a fuzilava sob as lentes escurecidas.

Pandora envolveu-se da pior forma com aquele casal, que agora partia para uma vida após a morte. Certamente, Kátia não precisaria mais se aborrecer ou temer a presença daquela mulher. A morena dos olhos azuis, que previu meu futuro, deixava-nos cedo demais.

Num outro canto do corredor largo, coberto de mármore e repleto de lóculos pretos envidraçados, Robson e Catherine mantinham-se abraçados, mas estavam serenos. Eles acreditam num "Novo Mundo", que será estabelecido na Terra e esperam ver Rogério e Kátia neles.

Até aquele momento, eu não sabia, mas o casal estudava a Bíblia com eles. Se estiverem certos disso, espero que meu irmão e sua esposa possam viver nesse lugar, novamente. Marcos, Matias e Mateus, já adultos praticamente, seguiam os pais em serenidade.

Ao lado de Beth, junto à parede de mármore, atrás de nós, Álvaro e Nicete, os pais de Kátia, pareciam mais conformados com a perda. Bem, aparentavam, já que eu não soube posteriormente como ficaram em casa. Arrasados, decerto.

Kelvin, o caçula, abraçava a namorada. Já o Kaio, que um dia maltratou o coração de Beth, se mantinha longe, sozinho. Percebi em dois momentos, que olhava para minha esposa. A loira, contudo, o ignorava completamente, embora o tenha cumprimentado naquele triste evento.

Com a Covid-19, apenas os parentes mais próximos, sob máscaras, podiam estar naquele local, espaçados, é claro. Diante do luto, no entanto, alguns, como minha mãe, vez ou outra retirava a proteção. Aquela dor, sem dúvidas, era maior que o medo mundial...

O que ela viu em mim? - Volume 3Onde histórias criam vida. Descubra agora