Capítulo 32 - Complicados

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Há muitas coisas que ainda não contei sobre o meu pai.

Ele não costumava jantar, ao invés disso acordava com fome de madrugada e fazia waffles, então a sua comida favorita se tornou a minha comida favorita. Lyla nunca estava em casa quando eu acordava e comia junto com ele, então a sua justificativa para ela não estar lá também é porque estava trabalhando até tarde na imobiliária. Matt tinha várias filiais pelo país, e cada uma delas foi sendo fechada depois que ele foi embora, seja por má gestão ou a crise imobiliária que afetou os Ransom.

Ele gostava de carros. De concertá-los. Então, sempre que podia, me ensinava uma coisa ou outra sobre eles. Aprendi a trocar um pneu sem precisar de ajuda e achei incrível poder colocar gasolina no carro quando eu tinha onze anos. Matt me ensinou a dirigir, e sempre que podia, dizia que estaria comigo quando eu tirasse a minha carteira. Eu nunca tirei a carteira de motorista, apesar de dirigir clandestinamente. Claro, a escola me deu oportunidades de fazer isso, mas me pareceu errado seguir em frente sem ele.

Sempre fui boa em matemática, mas o deixava acreditar que não era porque era legal vê-lo tomar conclusões erradas sobre álgebra e vê-lo tentando pensar. Depositei toda a minha confiança nele, e talvez eu fosse uma criança muito carente de atenção para apagar todo o dever que fazíamos juntos para escrever as respostas certas mais tarde. Talvez eu ainda seja.

O porão da nossa casa se tornou um pequeno ateliê para as suas pinturas. Ele realmente gostava daquilo. As telas foram as únicas coisas, além das roupas, que levou consigo na sua viagem sem volta. Na época acreditei que aqueles quadros fossem mais amados, mais merecedores do que eu de embarcar na sua viagem. Se ele me levasse a minha mãe surtaria, ou não, mas eu realmente gostaria que ele tivesse tentado.

Antes eu não entendia o que Matt colocava em suas telas, apenas sabia que eram pinturas bonitas e sempre coloridas. Os seus traços eram únicos. Porém, ao me deparar com aquele quadro no quarto de Luke, a extrema confusão de sentimentos voltaram para me rondar. O formigamento nas mãos, o estreitamento dos olhos como se isso me ajudasse a entender as pinceladas, o quentinho em meu peito, o dèjavú e as velhas lembranças.

Olhar para a obra de traços tão melancólicos e ao mesmo tempo impressionantemente coloridos, foi como estar com ele de novo. Abraçando-o, vendo o seu sorriso e sabendo o motivo dele estar comendo waffles na bancada da cozinha. Foi como tê-lo de volta, por míseros segundos, na minha vida. Contudo, ao mesmo tempo que foi bom sentir a sua presença de novo, aquela velha sensação de abandono que luto todos os dias para deixá-la enterrada, retornou. A avalanche de sentimentos que todos os dias tento reprimir e os sussurros da minha mente que insistem em dizer que ele foi embora porque quis.

Ele realmente quis aquilo? Ele queria se livrar da existência da minha mãe? Da nossa casa? Das madrugadas mais felizes da minha vida? De seu ateliê que ajudei a montar no nosso porão? Queria se livrar da existência de uma criança carente? Ele queria se livrar da sua filha? Queria se ver longe de mim? De tudo, menos dos seus quadros que eu nunca entendia o que queriam representar e ele nunca se dava ao trabalho de explicar?

Ele podia ter ficado.

As portas do elevador, que não me lembro de ter entrado depois que sai desnorteada do quarto de Luke, se abrem. Meu coração aperta novamente ao observar os olhos dele seguindo imediatamente na minha direção. Fico paralisada, mas ele não. Adam entra no elevador e as portas se fecham. Não penso muito quando me aproximo, passo os braços em seu pescoço e tento buscar o mesmo conforto que ele me deu no hospital.

Sem hesitar, um de seus braços enlaça a minha cintura nos deixando mais próximos, a mão afaga a minha cabeça, os dedos se colocando entre os meus fios de cabelo. Há algo de gentil nisso, desde não me perguntar nada até o modo como ele me segura, como se fosse confortável para ele também. Como se apenas isso fosse muito melhor do que milhares de outras coisas, de outras garotas, daquela outra e única garota.

Polos Opostos Where stories live. Discover now