Capítulo 36 - Torre de Babel

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Encaro o meu reflexo no espelho, uma pasta de dente e escova em cada uma das minhas mãos. Minha boca está entreaberta, meu rosto avermelhado pelo banho quente demais que acabei de tomar, meu cabelo enrolado na toalha que está prestes a cair da minha cabeça.

Não havia parado para pensar no que aconteceu naquela praia, com o Adam, com o Adam. Ao invés disso passei as últimas horas com uma normalidade tremenda, como se nada tivesse acontecido, ou pior, como se o que aconteceu estivesse no roteiro da minha vida.

Eu praticamente transei com o Adam. Claro que não chegamos até o final da coisa, mas ainda tivemos uma relação naquela como se tivéssemos algum tipo de relacionamento. O que nós não temos! A parte de trás das minhas coxas está com leves arranhões por conta da pedra e o meio das minhas pernas continua com aquela dor pulsante que não é bem um tipo de dor.

Estou paralisada.

Estou chocada.

Estou surtando.

Pela segunda vez na minha vida eu queria fazer aquilo. Primeiro foi no armário na casa de Penellaphe, depois na praia, e ambos com a mesma pessoa. Com Adam Lockwood e toda a sua falta de discernimento. Mas foi tão bom que não consigo considerar o que fizemos errado. Talvez porque não seja errado.

A única coisa que me distrai do meu reflexo chocado é Daniel, que rodopia pelo quarto, segurando a própria mão. É como se ele estivesse em um filme à horas, e por mais que eu esteja feliz por ele, isso já está começando a ficar cansativo. Então ele se aproxima, dá um beijo na minha bochecha e mostra a aliança prateada novamente.

Pela milésima vez desde que pediu Cal em namoro no luau. Por isso toda aquela apreensão pela aparência e o nervosismo que parecia consumi-lo. Ele estava com medo, é claro, se eu estivesse em seu lugar também estaria. Porém, se eu puder ser egoísta mais uma vez, eu estou afundando em algo que não é nada parecido com a comédia romântica que o meu amigo vive.

A minha história é mais conflituosa e confusa, turbulenta como um avião prestes a cair e explodir em uma área isolada onde eu vou precisar comer os meus próprios colegas de voo para sobreviver até o resgate chegar. O SOS feito com galhos não é visível por causa das árvores e não tem água para beber. Estou encurralada! Estou surtando!

"Reese?" Daniel me chacoalha. "Você está bem?"

Pisco confuso na sua direção, "Não..."

"Por que?"

Finalmente coloco a pasta de dente na escova e a enfio na boca, negando com a cabeça, "Nada." Digo de uma forma não muito esclarecedora.

"Tem certeza?" Ele insiste.

"Sim..." Cuspo a pasta na pia. "Só estou nervosa. Acabamos de ganhar o jogo que nos leva para a final."

"Também estou nervoso, e o treinador surtando também não ajuda em muita coisa." Daniel se afasta, sorrindo para a aliança e indo na direção da saída. "Estou indo dormir, você vai ficar bem?"

Demorei um pouco para raciocinar antes de responder, "Sim, claro..."

Daniel vai embora antes que eu diga tudo o que aconteceu na praia, antes que jogue tudo no ventilador. Uma parte minha quer falar para ele, mas não posso. Sinto que não posso. Eu tornaria aquilo real e nem em um milhão de anos aquilo pode ter sido real. Seria como uma admissão de culpa, e não quero me sentir culpada pelo que aconteceu.

Termino de escovar os dentes, e ainda enrolada na toalha me sento na cama, escorando minhas costas na cabeceira e olhando para a minha lista de contatos no celular. Respiro fundo antes de apertar para fazer a ligação, deixando no viva-voz como se isso pudesse aumentar a distância, mesmo que ela já seja emocionalmente e fisicamente enorme, do celular.

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