Série Corações Feridos: Não me esqueça (Vol. 4) ✔

Vinte e seis

Melissa

Mergulhar no trabalho tem me feito não pensar demais em meus problemas. Não estou tentando diminuir minha dor ao compará-la com os dos pacientes, apenas vejo que meus problemas são minúsculos perto de quem luta diariamente contra um inimigo agressivo, que tem inúmeras formas de atacar e destruir as barreiras defensivas de cada pessoa.

"Quando eu for morar no céu com Jesus, vou pedir pra Ele dar um outro bebê pra minha mamãe." Sam sussurra, os olhinhos escuros - apesar do evidente cansaço - conservam o mesmo brilho infantil e uma coragem desmedida  que falta em muitos adultos. "Eu sei que está chegando minha hora. Eu sinto aqui no meu coração. Não estou com medo, mas fico triste pelos meus papais. Por isso vou pedir que Deus dê um novo bebê pra eles não se sentirem sozinhos."

Seu desabafo parte meu coração, pois não consigo me manter indiferente ao sofrimento dos meus pacientes. Só sendo muito fria ou egoísta para não sentir nada. Eu não sou como vários profissionais da saúde, que veem a medicina apenas como uma profissão que lhe trará um bom salário e reconhecimento frente a sociedade. Escolhi ser médica para tentar salvar o máximo de vidas possíveis, para fazer a diferença na vida das pessoas, para poder olhá-las nos olhos e dar atenção quando vêm em busca de socorro. Ser médico não é apenas fazer um curso superior, obter um diploma, especializar-se e usar um jaleco. Ser médico é se colocar no lugar do outro e atendê-lo como você gostaria de ser atendido.

"Enquanto houver vida, há esperança. Não pode se entregar, campeão." Tento animar o garoto de 10 anos, que a dois vem lutando contra linfomas não-Hodgkin. Samuel respondeu bem ao primeiro tratamento e após oito meses - em que todos acreditavam que a doença tinha sido vencida - ela voltou muito mais agressiva. Desde então, ele vem fazendo inúmeros tratamentos, incluindo a combinação da quimioterapia e radioterapia, sendo que a última não foi usada na primeira vez. Infelizmente, semana passada, após uma Ressonância Nuclear Magnética (RNM), foi constatado a metástase. Células cancerígenas estão espalhadas e se desenvolvendo rapidamente pelo estômago, pulmão e pâncreas. O doutor Harry - o médico responsável pelo tratamento - já conversou com os pais e informou que Samuel tem muito pouco tempo de vida, já que nem mesmo os tratamentos mais eficazes estão fazendo efeito.

"Por que você está triste, doutora?" Aperto a pequena mão magra, observando com atenção as manchas roxas espalhadas pela pele pálida. "Você fica mais bonita sorrindo."

"Desculpe a demora." Sabrina - a mãe de Samuel - fala ao abrir a porta do quarto. "Mas tive que despistar a recepcionista para conseguir contrabandear isso." Tira da bolsa alguns tabletes de chocolate fazendo Samuel rir baixinho. Admiro essa jovem mãe que mesmo sabendo que a qualquer momento perderá o filho, não se deixa abater e continua de cabeça erguida, mesmo chorando lágrimas de sangue por dentro.

Mães são assim: sofrem em silêncio, vencem seus medos pelo bem-estar dos filhos. Carregando meu Feijão ainda protegido em meu ventre, sou capaz de qualquer coisa para mantê-lo a salvo, para trazê-lo a vida. Eu já o amo tanto que sou incapaz de me imaginar sem tê-lo junto à mim. Meu bebê é quem me dá força para continuar firme em meus propósitos.

Ao deixar mãe e filho sozinhos dividindo os chocolates e a cumplicidade, encontro uma movimentação estranha nos corredores do hospital. Acompanho uma das enfermeiras, que anda apressadamente carregando quatro sacos de soro fisiológico e pergunto o que está acontecendo.

"Acidente entre dois carros na New York State Route 28N. Quatro passageiros morreram na hora, um está na sala de cirurgia com fraturas múltiplas e várias expostas por todo o corpo." Entramos na sala de pronto-socorro. "Por um grande milagre de Deus, temos um sobrevivente, que saiu completamente ileso. Sem um mínimo arranhão. Mas acho que está traumatizado, pois não falou nada desde que foi resgatado."