Trinta e um

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Boa noite e tenham um boa leitura. 😘😘


Gabriel

São quase duas da manhã e não sei mais o que fazer para cessar o choro silencioso de Barry. Os soluços fazem seu peito subir e descer, as lágrimas rolam livremente por seu rostinho há mais de quarenta e cinco minutos, quando acordei com ele sacudindo o meu ombro. Ele está sentindo a falta dos pais, disso não resta a menor dúvida apesar do silêncio de sua voz. Seus olhinhos escuros cheios de saudades e a mãozinha indicando a porta, apertam meu peito. Se eu pudesse, traria os pais de Barry de volta à vida apenas para não vê-lo sofrer desta forma; não é justo criança alguma perder aqueles que são o centro de seu universo, principalmente, quando são pais tão bons e amorosos como os de Barry foram.

Os relatórios - de um investigador da confiança do meu pai - mostraram que apesar das várias dificuldades financeiras que passavam, nunca deixaram nada faltar ao filho. A caderneta de vacina está em dias, as visitas ao pediatra aconteciam de quatro em quatro meses; o menino passou por cinco especialistas que deram o mesmo diagnóstico para a mudez de Barry: deformações irreversíveis nas cordas vocais. Mesmo assim, conversarei com Melissa para procurarmos uma sexta opinião médica, o melhor médico do país para um novo diagnóstico.

Com Barry no colo, abro a janela do quarto e o vento gelado nos atinge. Poucas estrelas pintam o céu escuro da madruga, todavia, são suficientes para a importante e difícil conversa que terei com o menino.

"O seu papai e a sua mamãe não estão mais aqui na terra, eles foram morar lá no céu com Deus." O pequeno deita a cabeça em meu ombro, os olhinhos molhados e inchados não se desviam dos meus. Penso no que Melissa falaria se estivesse aqui, com certeza seria o mesmo que Stefan lhe disse quando a mãe dela faleceu e ela tinha a mesma idade de Barry. "Deus precisa de pessoas boas lá no céu e por isso levou seu papai e sua mamãe. Eles agora são as duas estrelas mais  brilhantes que têm no céu." Como se tentasse compreender o que digo, Barry olha pela janela por algum tempo até levantar a mão e apontar para o céu pontilhado de algumas pequenas estrelas. "Eles agora vão cuidar de você lá de cima. Vão te proteger e olhar por você por todos os dias da sua vida. Eles não te abandonaram, só precisaram ir morar mais cedo com Deus."

Beijo o rostinho úmido das lágrimas; o choro já acabou apesar dos fracos soluços silenciosos. Fecho a janela quando o vento se torna mais gelado e raios cortam o céu ao mesmo tempo que trovões assustam Barry, fazendo-o me abraçar apertado e esconder o rosto em meu pescoço. Apago novamente a luz do quarto e deitamos na cama; acaricio as costas de Barry até tê-lo ressonando profundamente sobre meu peito, logo o sono também me atinge e meus olhos pesam.

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Às sete da manhã em ponto sou acordado com Barry sacudindo meu ombro. Sua cara de sono e os cabelos despenteados o torna uma bagunça adorável, que fica impossível não puxá-lo para um abraço.

"Bom dia, Barry. Vamos tomar banho e escovar os dentes para depois comermos alguma coisa?" Ele concorda, mas depois aponta para o porta-retrato ao lado da cama, onde tem uma foto minha com Melissa abraçados, a mesma foi tirada durante o período esquecido em algum lugar do meu cérebro. "A Melissa vai trabalhar o dia inteiro, mas eu prometo que a noite iremos vê-la."

Como o bom e compreensivo garotinho que é, aceita sem fazer cena e assim o ajudo a tomar banho e os dentes ele já sabe escovar sozinho, assim como se vestir. Foi ensinado a ser uma criança independente desde cedo, acho que foi a forma que os pais encontraram de não super protegê-lo.

Ao entrarmos na sala de jantar, meus irmãos já estão com as mochilas nas costas e as caras amarrotadas de sono. Dão um rápido beijo em Barry e correm para fora, onde um motorista os espera para levá-los ao colégio.

"Bom dia." Mamãe diz ao mesmo tempo que faz alguns sinais com as mãos; tanto meu pai quanto eu ficamos surpresos ao ver Barry repetir o gesto enquanto oferece um sorriso para a bela mulher loira, que o olha encantada.

"Assisti alguns vídeos no YouTube e aprendi algumas palavrinhas básica da LSA, a Língua de Sinais Americana." Sento ao lado de Barry e o sirvo com leite e pão com queijo; o pequeno tem um bom apetite e não se faz de rogado ao começar a devorar o que lhe ofereço. "Você sabe falar obrigado com as mãozinhas, Barry?"

Ao escutar seu nome, Barry deixa a xícara na mesa, levanta a mão direita; com a palma virada para o rosto e os quatro dedos juntos, ele toca o queixo, de cima para baixo, enquanto balança a cabeça. O som de palmas da minha mãe faz o pequeno sorrir orgulhoso, sabendo que fez o certo. Fico como um bobo assistindo-o voltar a atenção para a comida, sentindo um estranho formigamento no peito.

"Precisamos de um professor de LSA para dar aulas não só para ele, como para todos nós." Mamãe cantarola determinada. "É uma das línguas mais bonitas que já vi e olha que só comecei a estudar sobre ela, ontem. Alimente-se direitinho, Gabriel Mikaelson. Precisa estar forte para dar conta de cuidar dos seus dois filhos e da mãe deles. Aliás, já pensou na data do casamento?"

"Tenha calma, Sweetheart." Meu pai bebe o café sem nenhuma pressa, dividindo os olhares entre todos da mesa. "Os advogados daquela mulherzinha entraram em contato comigo hoje cedo. Ela entrou com um pedido de guarda; se diz arrependida, mas sabemos que é apenas para manter as aparências já que uma revista de grande circulação fez uma matéria sobre a morte da única herdeira daquele monstro."

O pão se torna uma espécie de borracha e tenho dificuldades em engolir a massa. Esfrego as mãos no rosto sentindo vontade de esganar uma certa víbora. Não a conheço pessoalmente e não tenho a mínima vontade de que isso aconteça, pois não tenho ideia do que sou capaz de fazer com um monstro, que cometeu atrocidades contra a própria filha e estendeu esse ódio ao neto. Ela nunca fez questão de tê-lo por perto, mas para manter a fachada de boa dama em frente à sociedade, quer condená-lo ao inferno.

"Isso não vai acontecer." Digo mais determinado do que nunca estive na minha vida. Tenho poucas lembranças da minha primeira infância antes de morar definitivamente com meu pai, no entanto, ainda recordo do desprezo com o qual Camille me tratava, quando a única coisa que eu desejava era o seu amor de mãe. "Eu vou até aquela mulher e..."

"Você vai ficar com o seu filho enquanto eu cuido disso." O tom de meu pai não admite contradições ao se levantar de seu lugar na cabeceira da mesa. Ajeita a gravata vermelha e as mangas do terno escuro, que lhe conferem aquela seriedade assustadora. "Eu sei muito bem como cuidar de cobras como essa sem perder a minha cabeça."

"Se quiser ajuda para esconder o corpo..." Mamãe lança uma piscadela para o marido, que retribui ao gesto.

"Sem deixar pistas, Sweetheart. E sabemos que você não é nenhum pouco discreta." A conversa deles causa uma nova onda de enjoo ao compreender o verdadeiro sentido. "Cuidem-se crianças, que eu tenho um longo dia pela frente."

Após a troca de beijos entre o casal, meu pai bagunça meus cabelos e os de Barry e mais uma vez vai a luta por nossa família. Vi em seus olhos, a determinação em proteger o Barry, o carinho que já tem por esse menino, que em tão pouquíssimo tempo se tornou uma parte importante da nossa família.

E para Klaus Mikaelson, proteger a família é a sua missão de vida.

Série Corações Feridos: Não me esqueça (Vol. 4) ✔Where stories live. Discover now