Capítulo dezessete

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Agora, já são seis horas da noite, e eu e o Pedro estamos varrendo a casa que está toda suja de farinha

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Agora, já são seis horas da noite, e eu e o Pedro estamos varrendo a casa que está toda suja de farinha. A cozinha então, nem se fala!

Passamos a tarde toda pestanejando para não limpar nada. Nunca vi tanta pessoa preguiçosa em uma casa só. Hoje eu estou sem disposição para fazer nada.

— Quando oiei a terra ardendo, qual fogueira de São João. Eu perguntei à Deus do céu, aí, por que a tamanha judiação? — Pedro canta baixinho enquanto dança e varre o chão da cozinha. Eu sorrio.

— Asa branca? — Arqueio a sobrancelha.

— Eu adoro essa música, e sei toca-lá no acordeão.

— Você sabe tocar acordeão? — Eu arregalo os olhos, deixando a minha vassoura de lado e indo até ele com os meus olhos admirados. — O meu pai tocava pra gente toda noite antes de dormimos. — Sinto uma pitada de saudade esbarrar no meu coração.

— Sei sim. Eu lembro que o seu pai sempre tocava na praça da liberdade.

Sento no balcão e abro um grande sorriso ao me lembrar dele.

— O meu pai era um grande pescador do interior, Pedro. Tinha dias que ele só chegava em casa com cento e vinte reais por mês, mas ele sempre tinha aquele sorriso grande no seu rosto. Aquele sorriso de esperança. O meu papai era um homem honesto, que lutava pelos seus direitos, e que fazia sempre a coisa certa. Ele tinha muito pouco, mas para ele o que ele tinha já era o suficiente. Papai era analfabeto. Nunca teve a oportunidade de ir para escola. Esse era seu sonho, mas pena que ele não conseguiu realizá-lo.

Dou uma pausa para conseguir continuar sem derramar lágrimas.

— Ele morreu em uma maca de hospital público que não tinha os remédios certos e nem o número de médicos suficiente para atende-lo naquela semana, porque os políticos roubaram todo o dinheiro destinado a saúde do nosso Brasil. Sabe o que eu aprendi com isso tudo, Pedro? Eu aprendi que não existe só um Brasil. Existem vários Brasis. O do pobre, e o do rico. O do honesto, e o do corrupto. O do empresário, e o do pescador. É o país das desigualdades sociais, mas eu tenho muita fé de que algum dia tudo vai melhorar, basta nós fazermos a nossa parte, sermos honestos, e honrarmos o nosso povo. A gente reclama tanto do povo corrupto que está lá em cima no poder, mas ao mesmo tempo nem olhamos para o nosso próprio umbigo quando nós furamos uma fila do mercado, não é mesmo? A mudança começa por nós. Pelo povo de baixo.

— Você está certa! — Pedro concorda depois de alguns minutos de silêncio. Ele sorri. — O seu pai era um cara incrível, Maria Vitória. Nunca se esqueça disso.

— Eu quero ser igual a ele. — Sorrio lembrando do sorriso e da animação diária do meu pai. Sinto muito a sua falta.

— Você já é. — Ele vem até mim, se senta ao meu lado, me abraça, e por fim dá um beijo na minha testa. Eu apoio a minha cabeça no seu ombro e fico pensativa durante alguns poucos segundos.

365 dias para se apaixonarWhere stories live. Discover now