Capítulo 20

2.2K 257 63
                                    


       Yara observou as letras garrafais e o número de telefone impressos no cartãozinho entre os seus dedos, sob o olhar atento de Leandra que, ao perceber a luta que acontecia em seu interior — notável pela sombra de conflito pairando sobre seu semblante —, resolveu tomar a palavra.

      — Olha, não precisa se decidir agora, sim? É fato que pode ser muito bom pra você ouvir histórias que sejam idênticas à sua, conviver com pessoas que já enfrentaram situações parecidas ou até mesmo se identificam com você na forma como se sentem, mas só deve ir quando se sentir preparada. — calou-se por um momento, cedendo espaço para que ela dissesse algo, mas ela não o fez. — Conheço muitas pessoas que já passaram pelo grupo de apoio e, ao longo do tempo, começaram a ter resultados.

      — Mas...você acha que comigo pode funcionar? — questionou, visivelmente insegura.

      — Acredito fortemente que sim. — afirmou. — É só olhar para trás e lembrar da Yara que entrou por essa porta há cerca de um mês, e agora para a que está aqui na minha frente. Eu sei que a evolução pode parecer pequena, já que ainda tem imensas guerras por vencer aí dentro — apontou para o peito dela. —, mas até o mais alto dos murros, para que seja erguido, deve-se começar por fixar a primeira pedra, não é mesmo?

      — É, isso é verdade.

      — Então. O que fazendo aqui é mais ou menos como o processo de construção de um murro, ou seja, começamos da base e vamos subindo,  pedra sobre pedra. — finalizou elevando gradualmente uma mão. — Só que aqui não temos pressa. Se você se sente pronta, damos um próximo passo. Se não, não pressionamos, até que sinta que pode, e queira tentar. E nesse caso não vai ser diferente. Você só deve ir se sentir que está preparada, sim? Se não se sentir à vontade logo a princípio, pode apenas ir ouvindo as outras pessoas, e só quando se sentir confiante e segura, pode compartilhar a sua história também. Nós duas sabemos que é impossível fugir para sempre e que uma hora você vai ter de se pôr frente a frente com o passado e enfrentá-lo. Porém, também sabemos que, quando o fazemos precipitadamente, os danos podem ser grandes. Seria muito bom pra você se fosse, no entanto, é uma decisão apenas sua. Só saiba que ninguém vai te julgar, pelo contrário, é um lugar de inter-ajuda.

A preta permaneceu pensativa por alguns instantes, encarando um ponto além da janela aberta.

      — Eu dou a minha palavra que vou pensar sobre. — disse, após um suspiro, guardando o pedaço de papel retangular no bolso da saia jeans.

A morena estudou-a em silêncio durante alguns segundos, como que para ter certeza que ela haveria de cumprir o prometido.

      — Certo. Fico contente por isso. — sorriu, voltando a recostar-se na cadeira. — Então agora me fale sobre a relação com o seu pai. Como vão as coisas entre vocês?

       — Bem, eu acho. — sorriu fraco. — Ele me ligou algumas vezes depois daquele domingo e...nos falamos. Só que ainda é meio difícil, sabe? — Leandra fez um gesto de cabeça, incentivando-lhe a prosseguir. — Parece que há uma barreira entre nós que...sei lá. É tudo um pouco estranho ainda, ele parece hesitante e eu também não quero acelerar as coisas e fazer tudo desmoronar, como sempre, até estarmos novamente na estaca zero.

      — Querida — Baptista chamou por si com a voz suave, depositando os braços sobre a mesa; o olhar complacente fixo nela. —, só o fato de vocês terem voltado a se relacionar, já é uma evolução e tanto. Depois de tudo o que aconteceu, você ainda se dispôs a tentar reatar a relação de vocês, então considere isso como algo imenso.

      — Mas, sei lá, eu sinto como se tivéssemos estagnado antes mesmo de dar grandes passos. — terminou com um tom de indagação, como se não tivesse certeza de como descrever a situação. — Eu, na verdade. Como se alguma coisa me impedisse de me abrir mais, de me mostrar um pouco mais, de permitir que ele me conheça, entende?

No Compasso das Estrelas | ⚢Where stories live. Discover now