Capítulo 3

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      A menina Lacerda não gostava muito de se lembrar da sua primeira sessão de terapia, seis meses antes, em Solar. Porém existiam coisas que não iam embora com facilidade, como a lembrança de ter chorado mais do que propriamente dito algo compreensível, quando a psicóloga perguntara o que a levara até ali.

Sílvia não reclamara e nem pedira para que se acalmasse, limitando-se apenas a colocar uma caixa de lenços à sua frente e observá-la calada, permitindo que chorasse o quanto quisesse e colocasse tudo o que estava sentindo para fora.

Recordava-se também que não frequentara o consultório mais do que três vezes, não porque não simpatizava com a profissional, mas por si mesma, por simplesmente acreditar que era sim culpada pelo que acontecera à sua mãe — mesmo Sílvia insistindo no contrário e querendo que se convencesse de tal — e que a culpa era algo que merecia sentir.

Aquelas recordações preenchiam sua mente, enquanto encarava um ponto qualquer na parede bege da sala de espera do consultório da sua (talvez) futura psicóloga e, pela milésima vez, se perguntava se valia mesmo a pena passar por tudo aquilo outra vez e reviver segundo por segundo daquela fatídica noite de sete meses atrás, já imaginando o fracasso que seria, simplesmente por sua covardia.

Sentiu a mão de Lena apertar levemente a sua e, ao encontrar seu olhar encorajador, respondeu com um sorriso contido. Enquanto lhe fitava naquele instante, a lembrança da longa conversa que tiveram dois dias atrás preencheu sua mente, instensificando seu medo de desiludi-la.

Lena vinha fazendo tanto por ela, inclusive acompanhá-la até o consultório, mesmo tendo insistido que não era necessário se incomodar com aquilo.

Recordava-se que, em algum momento da conversa, a mais velha dissera-lhe que havia pessoas muito mais capacitadas e dispostas a ajudá-la, mas que ela precisava querer primeiro.

      — Pelo menos tente, Yara. — aconselhara, enquanto segurava-lhe as mãos entre as suas. — Estar disposta a aceitar expor suas feridas para ser ajudada, já vai ser um grande passo. Acredite, depois disso, as coisas serão bem mais fáceis. Você só precisa enxergar a força que vem de dentro de você e usá-la a seu favor.

Tais palavras, carregadas de certeza e de uma determinação que a menina só tinha visto antes em sua mãe, reacendeu a chama em seu peito — ainda que do tamanho da de um fósforo — e fê-la pensar que talvez aquilo não fosse uma perda de tempo, um erro tão grande assim.

Contudo, naquele momento, faltando apenas cinco minutos para que a sessão tivesse início, tudo vinha ao mesmo tempo, baralhando sua mente e toldando-lhe o raciocínio.

Enquanto as palavras de Madalena ecoavam por sua mente, as lembranças dos acontecimentos de meses atrás atingiam seu cérebro como golpes de flecha, velozes, certeiros e dolorosos, reprimindo cada vez mais a coragem que lhe movera até ali.

Naquele momento, a ideia de estar na sala alguns metros de si já não lhe parecia tão atraente, o olhar de incentivo que sua tia lhe lançava quando a recepcionista disse que já podia entrar não parecia ser o suficiente, e ela própria se sentiu pequena quando se levantou e caminhou a passos lentos, até alcançar a porta.

Pousou a mão na maçaneta e permaneceu assim por alguns segundos, fechando os olhos e procurando controlar sua respiração descompassada, quando percebeu que uma possível crise estava iminente.

Não era sua intenção, de modo algum, decepcionar Lena, mas também sentia que não era capaz de reviver todo aquele pesadelo novamente. Não, daquela vez tinha certeza que não aguentaria.

Enquanto caminhava a passos largos na direção contrária à da porta da sala da psicóloga — sem uma única vez deitar o olhar para trás para ver se a tia lhe seguia — a certeza de que, como sempre, tinha estragado tudo, fazia seu peito doer e lhe impedia de respirar como devia ser, além das lágrimas que embaçavam sua vista.

No Compasso das Estrelas | ⚢Where stories live. Discover now