No Compasso das Estrelas | ⚢

Capítulo 22

      A presença dos clichês desde que se via inserida no universo literário, sempre fez Yara se perguntar quando chegaria a sua vez de experimentar as famigeradas sensações de se estar apaixonado.

Seguindo a ideologia da sua mãe, segundo a qual todo o ser humano estava destinado a encontrar um grande amor em algum momento da vida, pensava que consigo não seria diferente. Contudo, sem os exageros que a ficção mostrava para encher os olhos e iludir os corações desavisados.

Particularmente, não acreditava muito, julgando ser impossível sentir algo assim tão forte por alguém com quem não se tinha laços desde o início da vida, achando um exagero sem tamanho a descrita sensação de borboletas no estômago, pernas bambas, voz falha e suor frio.

Em resumo, idiotices inventadas por alguém buscando fugir da sôfrega realidade de não ser tudo tão lindo como as páginas demonstravam.

Entretanto, enquanto os dedos de Léia passeavam lentamente pelos seus cabelos sob o céu salpicado de estrelas, o que sobrara daquele pensamento se dissolvia e escorregava para longe da sua mente. No fim das contas, era obrigada a concordar com a mãe, pois não tinha como descrever o que estava sentindo no momento.

O toque da porto-baixense parecia deixar um rastro de fogo por onde passavam, descendo sem pressa pela bochecha, a seguir contornando a boca até parar nas linhas do maxilar e voltar a subir para os cabelos.

Não desejava estar em nenhum outro lugar no mundo que não fosse em seus braços.

      — Sabe — começou, atraindo a atenção dela, que pensava longe. —, é a primeira vez que alguém me prepara um piquenique.

Léia sorriu, risonha.

      — Bem, eu nunca tinha feito um pra alguém, então é um dia de primeira vez pra mim também. — confessou, fazendo-a desencostar a cabeça do seu peito para olhá-la nos olhos. — Se continuar me olhando assim, eu vou ter que te beijar.

A preta sorriu em resposta, afastando o rpsto quando ele fez menção aproximar-se, o que rendeu uma careta de insatisfação.

      — Não sem antes me contar como soube que hoje é meu aniversário. — decretou, virando-se para ficar de frente a ela. — E então?

      — Então, foi... — parou ao notar a maneira como ela a fitava de sobrancelha arqueada. — Ei, não precisa me olhar assim. Não cometi nenhum crime ou algo perto disso, tá?

Lacerda apenas ergueu as mãos em rendição, reprimindo um sorriso.

      — Como eu tava dizendo, foi sem querer, sério. — continuou. — Não tenho culpa se alguém resolveu que seria uma boa colocar a data de nascimento na foto de recém-nascida, que por acaso é a imagem de fundo do seu notebook. Eu só constatei o que tava óbvio bem diante dos meus olhos.— encolheu os ombros.

Yara estreitou os olhos e balançou a cabeça antes de voltar à posição inicial, fixando o olhar nas estrelas.

      — Foi o meu pai, na verdade. — revelou, pensativa, a voz soando um pouco distante. — Ele tem um apreço por datas. Dizia o quanto são importantes e portadoras de grandes histórias. Algo nessa linha.

      — É uma maneira bonita de pensar.. — comentou com sinceridade.

Embora não fosse a fã número 1 de Matias e acreditava estar longe de ser, concordava com ele. Gostava de imaginar todas as histórias que uma simples data poderia contar.

      — Vai me contar como descobriu o terraço? — quis saber ela, fitando-a com curiosidade.

       — Ah, é mesmo. — passou a língua pelos lábios antes de prosseguir. — Foi há mais ou menos dois anos, numa tarde em que eu não tinha nada pra fazer e resolvi vir pra galeria com a minha mãe. Eu fiquei sob a responsabilidade da Yumi, que me deixou passear pela galeria e olhar de perto as peças enquanto esperava a minha mãe que estava no escritório com a Lena. Eu já tava ficando aborrecida, e a minha única distração eram as artes tribais que tinham na parede na época. Mas a curiosidade não me deixou ficar por aí, então eu fui seguindo as pinturas até me ver diante da primeira porta que a gente entrou. Em todo o meu aborrecimento por já estar esperando há tanto tempo, pensei que seria legal tentar descobrir o que tinha do outro lado. Ia ser rápido e Yumi nem perceberia.