Capítulo 28

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      Lacerda conhecia muito bem o fomoso ditado que diz que o bom filho à casa torna.

Entretanto, embora naquele exato momento o fusca preto de Madalena deslizasse pelas ruas de Solar, adentrando a área mais tranquila — repleta de casas coloridas e gente simpática —, ela não se sentia uma boa filha.

Na verdade, aquele sentimento já lhe era companheiro havia um bom tempo, desde que vira o pai ir embora e, após anos ansiando pela sua volta, nunca viu aquilo acontecer.

Ainda que Matias tivesse garantido que só lhe trouxera orgulho, existia uma pequena parte bem traiçoeira do seu cérebro que insistia em lhe fazer acreditar que podia ter se esforçado mais.

Como se já não bastasse — tão pequena e com tanta culpa dentro de si —, a partida da mãe só servira para fazer intensificar aquele sentimento de insuficiência e fortalecer a consciência de que, mais uma vez, falhara como filha, daquela vez de forma muito mais grave e irreversível.

Observando algumas crianças que aproveitavam o agradável fim de tarde no parque, bem como outras correndo alegres e eufóricos pela rua, sentia que, assim como para os pais, não fora a melhor filha para a sua terra, pois, na primeira oportunidade, foi embora sem pensar duas vezes e sem olhar para trás.

Ainda que seus motivos fossem fortes e soubesse que sucumbiria se ali permanecesse, não conseguia evitar tais pensamentos.

Em momento algum estivera em seus planos voltar tão cedo — mesmo que não fosse para ficar —, ou sequer o fazer, mas, naquele momento da sua vida, embora ainda hesitante e insegura, resolvera seguir seu coração. E, se ele a levara até ali, certamente não havia sido em vão.

Pelo menos esperava que não.

Voltar a respirar os ares da cidade natal não estava sendo de todo ruim, como antes pensava. A sensação de familiaridade ao acompanhar o movimento crescente do centro ao fim de uma sexta-feira, o ar sereno e a segurança da zona residencial que atribuía às crianças a liberdade de brincar nas ruas de suas casas até que escurecesse, dentre tantas outras coisas que eram a marca registrada de Solar, preencheram seu peito de tal forma que, por um momento, a angústia foi deixada de lado.

Abraçou o próprio corpo, quando uma brisa gelada invadiu o interior do carro, pela janela aberta. Havia se esquecido de levar um agasalho, e sua blusa cinza era leve demais para o clima que começava a mudar na grande cidade.

Diferente de Porto, que era extremamente quente durante quase todo o ano e fazia muito pouco frio, Solar era uma cidade conhecida pelas temperaturas abaixo de vinte graus no período da segunda metade de Novembro até meados de Março.

Notou, mais uma vez, o olhar de soslaio da tia, assim que entraram na rua onde ficava a sua antiga casa e, também, a de Clarisse logo do outro lado, um pouco mais acima.

Seu coração passou a bater violentamente contra o peito, ao passo que tentava disfarçar, começando um exercício lento de respiração, estendendo a visão além da janela.

Mesmo sem olhar para , as lembranças já a invadiam, sua mente projetando uma Yara criança e banguela correndo pelo quintal, enquanto tentava esquivar-se do jato de água da mangueira que o pai apontava contra si. O bater da porta veio também, junto da voz de Adelaide gritando "cheguei!", bem como do barulho dos passos da pequena criança correndo até a mãe, cheia de alegria.

Internamente, perguntava-se se o azul do exterior finalmente fora retocado, se havia novos moradores e, se sim, se cuidavam de tudo com tanto zelo quanto sua mãe fazia, se o pequeno jardim que seu pai montara na parte de trás andava bem cuidado, e tantas outras coisas.

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