Capítulo 8

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      Yara contava quase um mês de estadia em Porto, mas nunca prestara atenção ao monumento da Praça da Estrela — em frente à prefeitura —, até Léia contar a história por detrás da fundação do Centro Educativo, atribuindo-lhe grande simbolismo, tanto para a escola, como para toda a cidade.

A reação da colega, ao saber, foi de incredulidade, considerando quase um ultraje ela passar por lá quase todos os dias, na ida e na volta da escola, e não se atentar a algo tão majestoso e belo. Um toque de drama, mão no peito e expressão sentida, para enfatizar.

O assunto surgiu na sequência da tour que fizeram no dia anterior, após o término das aulas, como prometido contando toda a história da fundação do Centro que, mais de meio século atrás, funcionava como um internato católico feminino.

Segundo ela, em meados da década de 60, devido a uma enorme crise, o Internato Santa Cecília era obrigado a fechar suas portas e entregar o edifício ao Governo.

Pelos meses que se seguiram, nada foi feito dele, permanecendo, assim, totalmente abandonado.

Cerca de um ano depois, um importante fazendeiro do Sul — conhecido por ser descendente de um escravo forro que fizera fortuna e história no comércio — visitava a cidade, a fim de firmar negócios e alianças pelos arredores.

Sua preocupação foi logo notável, quando ciente da situação que se vivia ali: a inexistência de uma instituição de ensino, o que obrigava os pais a mandar os filhos estudar nas cidades vizinhas e, também, fazia com que muitas outras crianças fossem privadas do acesso ensino, tendo em conta que seus responsáveis não possuíam condições de mantê-las numa escola fora de Porto.

O cavalheiro, de nome Armando Nobre Lima, homem rico e detentor de muitas terras e propriedades, resolvera estender sua estadia, com o objetivo de inteirar-se mais sobre a situação, decidido a trabalhar, junto do povo, pela causa da educação na cidade.

Sorriu brevemente ao lembrar-se da maneira como a alta narrava a história, envolvendo-lhe completamente e fazendo com que se sentisse inserida na mesma época, acompanhando tudo de perto: a chegada de Lima à cidade, o trabalho árduo e incansável para trazer o ensino para o seio da população, a longa negociação com as autoridades de direito para que tivesse licença e pudesse deitar o antigo internato abaixo e construir com base numa nova planta, as tantas coisas de que abrira mão para levar o projeto adiante, entre outros esforços para melhores as condições de vida dos habitantes de Porto.

Contou-lhe Léia que, após algum tempo, a esposa de Armando veio juntar-se a ele e, em toda a sua bondade e vontade de ajudar o próximo, arregaçou as mangas e meteu as mãos à obra, lutando para a melhoria das condições de saúde e saneamento básico. Pois, na época, a cidade contava com apenas um posto de saúde e dois médicos que não ficavam em tempo integral.

Portanto, o hospital da cidade era conhecido como Hospital Judith da Rocha, em homenagem à dama que deixou as mordomias e o conforto do Sul, para auxiliar seu companheiro na edificação de uma cidade litorânea isolada, pouco desenvolvida e esquecida na Costa Este.

Porto era o que era e atraía imensa gente de fora, em grande parte graças a eles.

E, como forma de reconhecimento ao valoroso trabalho que fizeram, e manter vivo o legado, o primeiro prefeito da cidade mandou que fosse esculpida uma estátua do casal na praça do centro.

Nela, via-se Lima com a mão direita elevada, sustentando um livro aberto para o povo e, de frente para ele, Judith, cuja mão contrária à sua segurava um estetoscópio, de maneira que todos pudessem ver.

Era aquele o símbolo da educação e da acessibilidade aos devidos cuidados de saúde para todos, sem distinção, em Porto Baixo.

A preta não pudera deixar de reparar em como os olhos claros da porto-baixense brilhavam enquanto lhe falava; uma demonstração clara do quanto se orgulhava da história contada e dos seus protagonistas.

No Compasso das Estrelas | ⚢Where stories live. Discover now