Capítulo 2

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      Yara ajustou o último exemplar na prateleira de baixo e plantou as mãos na cintura, encarando os cerca de trinta, organizados por ordem crescente de tamanho. Olhou uma última vez para o trabalho feito, fazendo uma nota mental para agradecer, uma vez mais, à tia por ter sido tão atenciosa naquele quesito e lhe arrumado um lugar para guardar seus livros.

      — Desde criança que você é louca por livros, fosse banda desenhada ou prosa. — dissera ela, soltando uma risada divertida no final da última palavra. — Sabia da sua coleção, por isso as prateleiras.

Por mais que a tenha agradecido e se mostrado contente, sempre que via ou lembrava que tinha um espaço para os seus filhinhos — tal como naquele momento —, sentia que não fora suficiente, talvez pelo fato de que Lena ainda se lembrar daquilo, depois de tanto tempo, o que a deixou um tanto surpresa.

Sentou-se na cama olhando para o guarda-roupa que de um lado estava semi-aberto, devido a uma peça grossa de roupa que impedia o total fechamento da porta. Sem vontade alguma de levantar seu traseiro do colchão, ignorou o pequeno detalhe, pouco se importando com a peça, mesmo sabendo que poderia ter enroscado na ponta de algum parafuso.

Subiu, posteriormente, os olhos para as paredes cremes livres de decorações, que Lena explicou ter deixado assim para que ela mesma pudesse decorar da forma que gostasse e achasse melhor.

Respirou fundo e apertou os olhos, rejeitando os raios solares que invadiam o pequeno espaço do seu quarto pela janela, e esticou-se para pegar sobre a mesa de cabeceira o exemplar que tentara ler durante a viagem, curiosa para descobrir o que era feito do pessoal de Costa Malva, depois de três longas temporadas de sofrimento, paixões avassaladoras, momentos inesquecíveis, shipps improváveis e, também, muita alegria.

A leitura do livro ajudara-lhe imenso a descobrir e explorar detalhes de si mesma, dos quais antes não possuía conhecimento, mas que, quando trazidos à superfície, se mostraram ser de extrema relevância para a sua vivência enquanto ser humano.

Identificava-se imenso com Manu, a protagonista, e a via como seu próprio eu literário, da mesma forma que Valentina seria para sempre seu amor platônico-literário da adolescência e talvez da vida. Desde que Leila de "Noventa e nove" não soubesse, estava tudo certo.

Acomodou-se no colchão, pousou a cabeça no travesseiro e abriu o livro, deixando o separador de páginas de lado. Entretanto, antes que pudesse pular de primeiro parágrafo lido para o seguinte, sua leitura foi interrompida por a Victória, que apareceu à porta, chamando-lhe para o almoço, com a justificação animada de que era o "sábado do macarrão com salsicha".

Optou então por deixar a leitura para depois, tendo o cuidado de devolver o separador às paginas, já que, como que respondendo ao chamado da garotinha, seu estômago aproveitou para reclamar tão logo ela fechou a boca.

Acompanhou a criança pelo corredor e, com a curiosidade lhe cutucando sem dar trégua, aproveitou para perguntar o significado do tal sábado que ela mencionara com tanta empolgação há pouco.

Victória explicou-lhe que era uma espécie de tradição na casa delas, em que, no último sábado de cada mês, a mãe preparava tal prato para o almoço, com um molho de tomate dos deuses, que só ela sabia fazer. Não poupou elogios ao manjar que disse ser especialidade da mãe, e aproveitou para frisar que o seu era o melhor de toda a cidade.

Bem, de fato, o comentário da prima não fora fruto de uma simples admiração infantil, que dirá exagerado, pois, assim que levou a primeira garfada à boca — um tanto constrangida sob os olhares cheios de expetativas das outras três à mesa —, foi inevitável suspirar de satisfação, quando sentiu aquilo brincando com sua língua e provando-lhe que aquele era o melhor macarrão que já comera em toda a sua vida.

No Compasso das Estrelas | ⚢Where stories live. Discover now