Capítulo 1

22K 1K 686
                                    


       Havia, dentre tantas maravilhas que Porto Baixo tinha a oferecer, certas coisas que se destacavam aos olhos dos que vinham de fora, e estimulava a população local a encher a boca para enaltecer a terra amada. Como por exemplo, as ondas perfeitas para a prática do surf e outros desportos náuticos, a areia branca e sedosa das praias, e o pôr-do-sol da Praia Dourada, que mobilizava metade da cidade a contemplar o espetáculo que a estrela do sistema solar proporcionava sobre as águas e no céu, no momento da sua partida.

      Entretanto, havia outra coisa que intensificava o brilho nos olhos dos nativos e aquecia-lhes o peito ao falar do lugar. Era o famoso luau, realizado todos os anos na segunda metade de Agosto. O evento atraía turistas de vários cantos, sobretudo da capital, onde a vida era mais corrida e as pessoas quase sempre se esqueciam de relaxar.   

      O sol já tinha se posto e a fogueira na praia atingia seu ápice, podendo ser vista de alguns terraços por perto. À medida que o tempo passava, mais pessoas se juntavam à festa, radiantes com suas roupas coloridas, usando colares de flores ao pescoço e chinelos dos mais confortáveis, tendo em conta que a diversão estava garantida para o amanhecer.

      Yara vislumbrava toda aquela movimentação pela janela do fusca, com certa curiosidade. Sua tia Lena, entretanto, permanecia atenta à estrada — tomando o devido cuidado para não atropelar ninguém —, murmurando e batucando os dedos no volante, ao som da música da festa.

      A garota encarava tudo com uma curiosidade genuína. Era tão diferente de tudo o que existia na cidade grande, porém lindo de se ver. Era assim que Porto a recebia, mergulhado na boa vibração de um dos seus maiores eventos. Seu mais novo lar. Pelo menos esperava que fosse, depois de tudo. Suspirou pesadamente e deitou a cabeça no encosto, observando a festa passar através da janela. Em um canto mais escuro da praia, notou o que lhe pareceu um casal aos amassos, o que a fez desviar o olhar para a frente.

Através do retrovisor, notou o olhar da tia sobre si, talvez pela milésima vez desde que saíram da sua cidade natal. Quando percebeu que a sobrinha a fitava de volta, Lena deu um sorriso meigo  — ao qual Yara retribuiu — antes de voltar a prestar atenção ao caminho. 

       Lacerda olhou para o lado, onde estava a sua mochila e, sobre ela, seu exemplar de "Terceiro Tempo" que, após vários minutos tentando focar na leitura, ela resolveu deixar de lado. Tal coisa devia-se à inquietação de seus pensamentos, que iam e vinham em uma velocidade surpreendente.

      Exceto pelas tentativas de Lena em manter uma conversa — o que não durou muito —, a viagem se deu quase em silêncio total, a não ser pelo rádio em volume baixíssimo.

      Yara suspirou novamente, cansada. Voltou a olhar pela janela quando o fusca se distanciou um pouco da zona festiva, pois não queria correr o risco de se deparar com uma cena como a de minutos atrás. No segundo seguinte, sentiu seu corpo ser projetado para a frente com uma freada brusca da tia.

       — Merda — murmurou ela, buzinando agressivamente. — Mas que p... — Parecendo se lembrar de que tinha uma passageira menor, Lena mordeu a língua para segurar o palavrão e lançou um olhar para Yara através do espelho retrovisor.

      Lacerda, no entanto, fingiu não escutado nada, estando mais interessada em contar quantos coraçõezinhos da sua mochila estavam coloridos de azul.

      A mais velha buzinou de novo, querendo chamar a atenção do rapaz claramente bêbado no meio da rua. Impaciente, tirou a cabeça para fora do carro e gritou:

      — Será que você pode, por gentileza, sair da frente, companheiro? Não sei se você sabe, mas o espaço que você tá ocupando é para os carros passarem!

No Compasso das Estrelas | ⚢Where stories live. Discover now