Capítulo 27

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      Pelo fato de, desde muito nova estar acostumada a ver pessoas importantes irem embora da sua vida, Yara já sentira o suficiente para poder afirmar que, em nenhuma das vezes, doía menos ou impedia que se importasse.

Por tais experiências passadas, ao tomar a decisão de afastar-se de Léia, já deveria saber que tudo voltaria da mesma forma, ou até mais intensamente, tendo em conta que, daquela vez, a escolha fora sua, ainda que não quisesse que as coisas fossem assim.

Doía-lhe, doía-lhe muito. Mesmo após uma semana e alguns dias, o sentimento fustigante de vê-la e não poder chegar perto, tocar, falar com ela — ainda mais sabendo que era a responsável —, era o mesmo.

Os intervalos que normalmente passava ao seu lado, foram substituídios pela solidão e pelo isolamento, num canto longe da vista dos outros, sem pretensão de ser encontrada, muito menos incomodada.

O espaço atrás da quadra de basquetebol proporcionava-lhe tais momentos de alguma tranquilidade, diminuindo o risco de se esbarrar com a porto-baixense, ainda que fosse impossível manter os pensamentos longe.

Por mais que obrigasse sua mente a focar em qualquer outra coisa que não tivesse ligação com ela, em algum momento acabava por associá-la a tal.

Era insano.

Suspirou, cansada.

Amadurecer era tão complicado, crescer trazia tantas responsabilidades que, se soubesse que assim seria, teria preferido nunca deixar de ser criança, embora não fosse mudar nada na ordem natural das coisas.

Numa hora como aquela, por exemplo, em vez de estar sofrendo e se lamentando por uma decisão que tomou acreditando ser a melhor — mas, no fundo, duvidava, pelo tanto que doía —, estaria concentrada como a criança morena que via do outro lado, na área dos ensino básico, que cautelosamente ajudava a amiga a subir no baloiço, antes de começar a empurrá-la levemente.

Quanto a sentimentos menos bons, seu único medo talvez seria o de cair e se machucar, como a criança de pele achocolatada e tranças nagô, que era impulsionada e agarrava firmemente as correntes do brinquedo, pouco a pouco parando de tremer, à medida que ganhava mais confiança.

O único medo a vencer seria o de um instrumento de diversão, que antes encarava como um vilão, por causa de outras pessoas que o usaram para machucá-la, mas algumas palavras de incentivo e o apoio de alguém querido, seriam suficientes para fazê-la avançar.

Através dos espaços vazios em círculo no murro que separava os dois lados, via o baloiço ganhar velocidade e altura, e a menina gargalhar, movida pelo sentimento de vitória e pela adrenalina.

Sorriu fraco; um sentimento agridoce tomando conta do seu peito, ao constatar que, até uma criança de menos de dez anos, conseguia ser mais corajosa do que ela.

Em que ponto havia chegado, afinal?!

Em que ponto havia chegado, que só fazia fugir de tudo que remetesse diretamente aos fatídicos acontecimentos de meses atrás?

E por que razão o fazia, se sabia que ignorar e tentar esquivar-se não mandava nada embora, mas sim fazia acumular, até que um dia não aguentasse mais?

A justificativa era sempre a mesma, quando, no seu íntimo, tinha a plena consciência de que não era o fato de não estar preparada, nas sim de ser uma grande covarde. Afinal, como raios teria certezas em vez de questões e mais questões, se não parasse de empurrar as coisas com a barriga, e tentasse de verdade?

O que estava fazendo consigo mesma?

Eram tantas as perguntas que tinha a se fazer — naquele momento em que começava a abrir os olhos e ter coragem para encarar certas coisas sobre si mesma, que vinha ignorando —, mas não foi possível prosseguir, pois, o toque da sineta reverbou por todo o edifício, avisando que era hora de voltar à luta.

No Compasso das Estrelas | ⚢Όπου ζουν οι ιστορίες. Ανακάλυψε τώρα