Capítulo 15

2.1K 311 185
                                    


      — Eu quase beijei a Léia no sábado à noite e, pra completar, dei de caras com a mulher do meu pai lá em casa, querendo marcar um almoço no domingo para que eu conheça meus irmãos. — Yara despejou, sem cerimônias, mal tomou lugar na poltrona fofinha da sala de Leandra.

A psicóloga não pareceu se importar muito como fato dela nem sequer lhe ter cumprimentado, antes de simplesmente se jogar no assento, como se o  mundo fosse acabar no dia seguinte.

      — OK, certo, é...vamos por partes? — pediu, soltando uma risada em seguida, enquanto girava uma caneta entre os dedos. — Primeiro a Léia. Me conta o que exatamente aconteceu.

A preta ajeitou a postura, começando a narrar, desde o gesto de generosidade da garota dos dreads, passando para a viagem divertida — sem deixar de realçar o fato dela ser muito parecida com o pai em diversos aspetos —, e atribuíndo atenção especial à última parte, em que o clima se tornou mais intenso.

      — Você queria que acontecesse? — indagou Lea, interessada. — Digo, o beijo.

      — Sinceramente?

      — Numa escala de zero a dez — desceu a caneta e elevou de novo, ilustrando um gráfico invisível no ar. —, o quanto você queria?

      — Onze. — respondeu, arrancando uma risada divertida da morena. — Mas, depois, no meio de uma crise de consciência,  percebi que Léia não merece que eu faça isso com ela.

      — Isso o quê, exatemente?

      — Sabe, trazê-la para o meio disso, envolvê-la na bagunça que eu sou. — encolheu os ombros, enquanto desenhava distraidamente coisas aleatórias na tampa da mesa da profissional, com a ponta da unha. — Ela é a pessoa mais incrível que alguma vez conheci, então não merece que eu estrague a sua vida.

      — Você já parou pra pensar que você também é uma pessoa incrível e merece ser feliz? — a preta negou com a cabeça, desacreditado daquilo. Não se achava tanto assim. — E também já pensou que ela se aproximou de você por livre e espontânea vontade, e permaneceu, porque faz com que ela se sinta bem?

      — Isso porque ela não me conhece de verdade, e nem sabe o peso que carrego. — retorquiu, em tom baixo, como se falasse apenas para si mesma.

Leandra, porém, ouviu perfeitamente.

      — A verdade é que ninguém é perfeito, Yara. — a solarense pensou discordar  justificando que Léia era, mas conteve-se, apenas ouvindo a psicóloga que, em pouco tempo, já se tornara uma amiga e, assim como a tia, era dona dos melhores conselhos, embora ela mesma, naquele momento, dispensasse um discurso motivacional. — Eu não sou, sua tia não é, seu pai não é, Léia não é, você não é e nem precisa se esforçar pra ser. Todos nós carregamos cicatrizes, marcas do tempo, de histórias, pessoais ou não, dores que não cessam, mas com as quais aprendemos a conviver. Somos humanos, minha querida. Assim como temos mil e um defeitos e estamos sujeitos a errar, quebrar a cara e outras coisas que fazem de nós o que somos, também possuímos qualidades que conquistam o coração. E acredite que você é cheia deles. — como sempre, seu tom era suave, combinando com a expressão serena. — Você não deve crucificar a si mesma por ser humana, por ser quem é, e nem achar que não é merecedora das coisas boas que te acontecem, porque é sim. São coisas que você cativa, então creia que merece ser feliz, querida. Mas, pra isso, precisa se permitir viver para além da bolha de autoflagelação que criou em volta de si mesma.

Àquela altura, Lacerda já tinha os olhos inundados d'água, pronta para fazer caminho pelas maçãs do seu rosto.

      — O fato de você ter entrado por aquela porta e falado sobre as coisas que têm te angustiado, já é um sinal de que quer que isso aconteça. Portanto, à medida que avançamos, tente dar um passo e outro a mais, ouse, se permita sonhar alto, sorrir, amar, ser amada. — aconselhou, tendo o olhar atento da adolescente sobre si. — Experimenta as coisas boas que a vida tem pra oferecer, e não se limite a viver presa ao passado, porque ele só tem te machucado e impedido que siga em frente. Percebe o que eu quero dizer?

No Compasso das Estrelas | ⚢Where stories live. Discover now