Capítulo 29

1.5K 206 34
                                    


      Eram dez e meia da manhã e o sol brilhava intensamente sobre Solar. Na entrada do cemitério da cidade, Lacerda permanecia em pé, conservando junto ao peito um buquê de margaridas, os olhos viajando entre as lápides dispostas ali, não à procura de nada em específico, apenas  uma tentativa de ganhar tempo e coragem para enfrentar o que se estendia dali alguns metros.

Olhou para Clarisse ao sentir o toque suave da sua mão em seu braço direito, encontrando a segurança que tentava passar através do seu olhar sereno. Não eram necessárias palavras para entender que estava ali com e para si, e estaria até o fim.

Respirou fundo e deu o primeiro passo. A seguir, veio outro e mais outro e, cada vez mais, aproximava-se do seu destino. A passos lentos, porém avançando, sem pressa alguma.

O choro sôfrego irrompeu por sua garganta ao mesmo tempo em que seus joelhos cederam e foram de encontro ao chão, quando se viu diante da lápide escura com o nome da mãe e os sentidos dizeres "Eternamente em nossas memórias e em nossos corações".

Chorava alto, de maneira que doesse na fundo da alma de quem quer que lhe escutasse. Chorava pela imensa falta que Adelaide lhe fazia, pela culpa que era uma presença constante desde o dia um, pela dor que pulsava em cada parte do seu corpo e a abraçava como se quisesse sufocá-la, e, principalmente, chorava por ter permanecido tanto tempo longe.

Também era por todas as coisas que não lhe pôde dizer quando em vida, por não ter percebido que o abraço apertado que lhe dera naquela tarde — após lhe deixar na casa de Júlia — era, na verdade, uma despedida, por não ter tido a oportunidade de lhe dizer que sentia muito e não desejava que as coisas terminassem daquela forma.

Eram tantas as coisas que aqueles soluços altos e sofridos representavam, tantas palavras presas na garganta que nunca ousou gritar, tantos sentimentos guardados em seu coração que nem as lágrimas das noites de sofrimento e autoacusação em seu quarto foram capazes de levar embora.

Chorava por muitos e muitos momentos que sabia que nunca mais viveria, mas, ao mesmo tempo, em algum lugar dentro de si, sentia um alívio imensurável por ter voltado. Ainda que já não pudesse ter os braços da mãe para confortá-la, se fechasse os olhos por alguns segundos, poderia sentir a sua presença bem perto. E aquilo, bem como o embalar suave de Clarisse, era o suficiente para se sentir em casa.

Afastou-se ligeiramente quando sentiu o celular dela vibrou no bolso, a fim de lhe dar algum espaço.

Observou-a alternar o olhar entre ela e a tela do aparelho, aparentando estar em dúvida sobre afastar-se para atender a ligação, tendo em conta que não queria deixá-la só.

Assentiu brevemente, como forma de encorajá-la a fazê-lo, garantindo que ficaria bem.

Ouviu o barulho sútil dos seus passos para longe — após dizer que voltaria em pouco tempo —, enquanto pegava as flores que havia deixado cair, depositando-as com delicadeza sobre a campa.

Deslizou cuidadosamente os dedos sobre o nome da mãe, sentindo os olhos voltarem a encher-se d'água. No silêncio daquele cemitério, o seu coração gritava muitas coisas que esperava que ela escutasse, como o orgulho enorme que sentia pela pessoal incrível que fora, gratidão por tudo que lhe ensinara e pesar pelo ocorrido.

Amava-a tanto, que o sentimento mal lhe cabia no peito.

Parou de percorrer a estrutura quando notou uma sombra projetar-se por sobre ela do lado oposto ao qual Clarisse se encontrava, interrompendo a trajetória dos raios solares até lá.

Confusa e curiosa, virou-se com lentidão, surpreendendo-se verdadeiramente com a pessoa que encontrou em pé logo atrás de si.

      — Pai?

No Compasso das Estrelas | ⚢Where stories live. Discover now