Rotina

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Sabem o que eu encontrei no fim do corredor em uma sala no terceiro andar? Um piano! Novinho em folha, um pouco empoeirado, mas em perfeitas condições. Preto, brilhoso e convidativo.

Me sento no banquinho e passo os dedos sobre as teclas, tirando um pouquinho da poeira. Começo a dedilhar uma melodia qualquer, até que se transforma em uma música bem conhecida por mim.

Senti saudades de tocar, de me expressar dessa forma. Deixo a música fluir através de meus dedos e acabo ficando imersa por completo nela. Me arrisco até a cantar, estou sozinha então não há problemas.

Não que eu não seja boa, participei de alguns concursos e conquistei o primeiro lugar, mas ainda sinto um desconforto em fazer isso com outras pessoas me observando de perto.

Deixo minha mente se esvaziar e todos os meus medos saírem junto com as notas. É uma melodia um tanto triste, irônico. Por que de certa forma estou mais preocupada do que triste, pensar no que pode acontecer me trás dúvidas e medos, mas não tristeza.

Tocar é relaxante, alivia todas as dores. A menos que você esteja com dor por tocar demais, aí só piora. Mas não é esse o caso! Está me ajudando bastante nesse momento.

Pensar em mim, em Jack, Lena e até em Joseph me destrói, mas de certa forma, me reconstrói também. Se não fosse por eles eu já teria desistido, mas isso seria injusto pois todos estão lutando contra seus problemas e eu devo fazer o mesmo. Por mais que eu queira muito jogar tudo para cima e sair correndo para algum lugar isolado e fora do mapa.

Me preparo para o refrão e entrego nele tudo o que tenho, usando tudo o que aprendi e todas as emoções que estão se misturando. Ah aliás, ainda é de manhã, e eu talvez tenha dado um olé em Juliana e sua consulta matinal.

Mas fala sério, já faz uma semana e eu não aguento mais aqueles desenhos idiotas dela! Se em vez de me perguntar o que eu acho que seria a solução ela me disse-se o que fazer... Hunf! Termino a última nota e relaxo as mãos em cima das teclas, bem qual será minha próxima música?

— Você fugiu. - viro lentamente a cabeça na direção da porta e lá está Juliana, com sua saia preta e justa até o joelho, o terninho e o rabo de cavalo.

— Eu não. - sorrio angelicalmente.

— Não me disse que tocava. - eu não te disse muitas coisas!

— Já fazia um tempo desde a última vez. - ela caminha pela sala vazia até ficar perto da janela.

— Meu marido também tocava.

— Ele morreu? - ela nunca fala muito de sua vida pessoal.

— Não, não. - sorri para mim. — Ele quebrou a mão em um acidente, depois disso não conseguiu mais tocar, não como antes, então ele acabou desistindo.

— Sinto muito. - encaro minhas mãos sobre as teclas.

— Não se preocupe, foi a muito tempo. - ela caminha em minha direção e para ao lado do piano, apoiando-se nele. — Sabe Allice, eu estive pensando muito sobre você.

— Ah...

— Querida, você é como uma esponja.

— O que? - pronto era só o que me faltava, vou ter que ir lavar a louça também?

— Você absorve o que está ao seu redor, as dores e sentimentos alheios, você os guarda mesmo sem serem seus. - eu faço isso? Bem, talvez? - Isso não é bom.

— Mas, como eu paro então?

— Primeiro, você entende o que isso causa em você? - nego meio incerta. - Comece por ai, sua tarefa até nossa próxima consulta é descobrir isso. Tente entender o que "absorver" os sentimentos dos outros causa em sua própria mente.

Princesa?Eu?Onde as histórias ganham vida. Descobre agora