Calmaria antes da tempestade

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Greta Falcone

São exatamente 16h quando o ensaio termina. Meu corpo reclama de dor depois de horas treinando uma série de passos, mas meu coração está pronto para o espetáculo.
Colocando minha bolsa sobre o ombro, me preparo para ir embora. Entretanto, um grupo de bailarinos jogando conversa fora e dando gargalhadas, chama a minha atenção. Eles combinam de ir à uma cafeteria aqui perto após o ensaio e observo enquanto saem pelas portas da frente. Suspiro seguindo-os alguns metros atrás, não é a primeira vez que o convite não é extendido até mim. Na verdade, eles nunca mais são. É complicado demais ser amigo de Greta Falcone.

Houve uma época em que eu me esforçava para ser social. Queria sair e estar com meus amigos do ballet, ir a aniversários, baladas e ainda quem sabe encontrar um namorado... Mas eu era constantemente chamada para a realidade quando meu irmão e meus primos apareciam, intimidando qualquer espécime do sexo masculino. Chegava a ser assustador. Como consequência, os meninos fugiam de mim com medo dos homens de minha família e as meninas estavam ocupadas demais contando mentiras ao meu respeito. "Você viu o salto dela? Aposto que com um professor particular caro desses, eu também saltaria assim." "É injusto ela ser escalada ao papel principal, tudo graças a influência da sua família." e por aí vai... Depois de um tempo, eu passei a não me esforçar mais para ser aceita. Eu tinha certeza de que existiam caras bacanas e garotas legais por aí, mas não me importava tanto. Tinha toda a companhia que precisava em casa.

Ao passar pelas grandes portas de vidro, me despeço do teatro e entro no carro preto que já estava estacionado na calçada. Romulo, um dos soldados de meu pai, acena com a cabeça quando o cumprimento e nos dirigimos para casa. Aproveito para enviar uma mensagem para Carlotta, perguntando se ela iria para o aniversário de Adamo e recebo sua resposta rapidamente, confirmando.

Hoje era o aniversário de tio Adamo e, após muita insistência, ele foi convencido por todos a celebrar esse dia em família. Tio Adamo e tia Dinara não moravam por perto, ao contrário dos outros irmãos e Fabiano morarem todos juntos. Os dois preferiam ter sua privacidade e é compreensível. Eu amo estar em família, mas pode ser desafiador viver com tantos Falcones ao redor. O gênio forte é característico dos homens Falcones, mas não apenas deles.

Chegando em casa, sigo direto para o meu quarto e tiro a roupa suada, tomando um banho relaxante logo em seguida. A água quente acalma meus músculos cansados e, aos poucos, os acelerados batimentos do meu do meu coração vão tomando conta da minha mente também.

A tensa conversa de ontem com Nevio abriu uma porta que eu apenas ousara em sonhar. Me apresentar na American Ballet Theatre era o sonho de uma vida. Eu sempre soube que estudar permanentemente na melhor escola de ballet do país era algo inatingível para mim, apenas porque o território da Camorra era em Las Vegas e não em Nova York, onde era lei a palavra da Famiglia. Essa questão nunca precisou ser discutida com meus pais porque eu entendia, não era seguro e estava tudo bem. Porém quando minha professora me contou que enviou um vídeo com uma performance minha para a academia e eles vieram me ver dançar pessoalmente, confesso que fui ao céu. Parecia uma situação surreal, só que tanto não era, quanto o recrutador me convidou para fazer o papel principal de Coppélia. Dessa vez, subi ao espaço sideral. Aceitei sem conter as lágrimas de alegria que insistiram em escorrer por meus olhos, aceitei sem pensar nas consequências daquele sim, aceitei sem cogitar as guerras que isso poderia acarretar.

Ter o apoio – mesmo que relutante – de Nevio foi mais uma vitória e eu não iria descansar enquanto não tivesse vencido a guerra. Não me entendam mal, meu pai e meu irmão sempre foram meus maiores incentivadores, aplaudiam entusiasmados meus êxitos e faziam questão de eliminar toda dificuldade que eu pudesse ter. Porém, quando a questão se tratava de segurança, eles se transformavam em feras irracionais movidas apenas por um primitivo instinto protetor. Todos os homens da família eram assim, mas eles dois conseguiam se superar, afinal eram iguaizinhos: impulsivos e explosivos. Por isso, eu sei o quanto foi importante convencer Nevio a me apoiar e agora faltava apenas trazer papai para meu lado também.

Avalanche | Amo & GretaOnde histórias criam vida. Descubra agora