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O TIC-TAC do relógio ainda soa em meus ouvidos quando abro os olhos e me sento.
- Puta merda - ofego, sentindo meus pulmões doerem e minha pele arrepiar por causa da água gelada. Pisco incontáveis vezes até conseguir enxergar o rosto vermelho de Joan. Ela joga o balde branco no chão. Minha cama, meus lençóis, meu pijama. Estava tudo molhado por água fria. Passo as mãos úmidas no rosto. - O que deu em você? Porque fez isso?!
- Isso foi por você ter ido à festa de Eloisa Adams ontem - Joan responde entre os dentes. Suas mãos se desprendem de sua cintura fina e se agarram nos meus tornozelos. - E isso - ela grita me puxando. Tento segurar na cabeceira da cama, mas quando percebo já é tarde demais e sinto minha cabeça bater contra o chão. Gemo. - é por ter saído naquela maldita página de fofoca ao lado de Blaine Adams! - minha irmã do mal grita com mais raiva. Ela agarra o balde mais uma vez, e com um sorriso no rosto despeja o resto de água em mim.
- Sua... - estremeço entre os dentes. - Sua vadia maluca! - grito me levantando. As meias escorregam sobre o carpete felpudo, mas eu a agarro pela barra do pijama e a levo ao chão comigo. Nossos corpos se batem. - Você não podia ter feito isso, você não tem o direito de vir ao meu quarto e fazer isso por causa de uma maldita festa!
- Uma maldita festa que você não deveria ter sido convidada - Joan berra me empurrando para o lado. Ela monta em cima de mim. Suas pernas se fecham com força em cada lado do meu corpo. - Você não merece. Não se importa com o tamanho da importância que isso tem! E ainda por cima ousa pousar ao lado dela com essa sua cara de cavalo?! Eu vou te matar.
- Joan - chamo seu nome entre os dentes. - É você quem não merece. É você quem não merece nada do que tem, e é você quem tem cara de cavalo! - berro empurrando-a para longe de mim. Seu corpo escorrega sobre o carpete. Tento me agarrar na cômoda, e no instante em que firmo um dos pés sobre as madeiras molhadas do meu quarto sinto o impacto da minha testa contra o beiral da cômoda de mogno. Caio sobre os cotovelos.
Meus olhos, que não são muito saudáveis, são cobertos por uma nuvem expressa e tudo o que posso ver é branco, branco, branco. BRANCO. MEU DEUS A MORTE É BRANCA!
- Eu te disse Emily, disse para ficar longe da minha vida - escuto-a gritar antes de sentir minha cabeça ser puxada para trás, e depois ser lançada contra o chão mais uma vez. Não sei exatamente o que deixei escapar, mas o som se parece com um choro apático e distante. Aperto os olhos, levo a mão até a minha testa e gemo graças à dor. - Mandei ficar longe dos lugares que eu frequento - sua voz me diz raivosa, e suas mãos me viram sobre o chão molhado. Pisco aturdida, vendo-a se materializar sobre mim. Seu cotovelo se estica para trás, seus dedos se fecham em punho e consigo ver o modo como seu braço desce para me dar um soco. FAÇA ALGUMA COISA, REAJA EMILY! Lizzie grita agarrando sua luva de boxer. - Você está tentando me tirar tudo, é isso? O meu lugar no baile - ela berra a alguns centímetros do meu rosto, e agarra os meus cabelos entre os dedos. - Minha popularidade - Joan rosna largando minha cabeça. Sua mão se fecha mais uma vez e seu punho atinge meu olho. Empurro seus cotovelos, mas ela bate em minhas mãos e me bate outra vez. - Minha vida. A porra da minha vida, Emily! - Joan reclama, mas a única coisa que consigo ouvir de verdade é a dor em meu rosto gritando para que aquilo parasse. - Roubou tudo o que era meu.
- Por favor - tusso entre lágrimas. Coloco as mãos sobre o rosto e me encolho. - Chega, chega, por favor - choramingo fazendo uma proteção estúpida com os braços. Joan bate outra vez em mim, mas dessa vez com a mão aberta. A ardência no meu braço não chega perto à dor que sinto no rosto. Seu corpo fica imóvel sobre o meu. O TIC-TAC do relógio bate de um lado para o outro me causando tontura. Minha respiração se atrapalha em minha garganta antes de sair desesperada pelos meus lábios. Ela havia me dado outro soco no estômago. - Joan...
- Emily?! - escuto a voz alta da minha mãe gritar o meu nome. Joan se atrapalha com seus pés quando tenta ficar sobre eles. O rosto assustado da nossa mãe é um borrão quando afasto os braços do rosto. - O que é isso? - ela pergunta com os olhos arregalados. Os olhos azuis da minha irmã do mal se espremem para mim antes dela passar a passos pesados para fora do quarto. Nossa mãe a grita, mas ela apenas a ignora e corre escada abaixo. Mamãe bufa irritada antes de vir ao meu alcance. Ela me ajuda a sair do chão. - O que houve? - mamãe me pergunta com um tom sério e preocupado. Ela repete a mesma pergunta incontáveis vezes "o que houve?", mas a única coisa que consigo fazer naquele momento é manter o silêncio e tentar não chorar. Quando ela insiste para que eu vá tirar a roupa molhada me dou o direito de chorar. Choro pelo reflexo do meu rosto no espelho. Choro pelo susto que havia sido ser acordada embaixo d'água. Choro por saber que aqueles machucados haviam sido feitos pela única pessoa que deveria me amar sem pedir nada em troca. Choro por saber que Patric está errado, pois Joan não pode ser salva. Ela não quer ser salva. Na verdade, ela não merece ser salva.
Mamãe bate duas vezes na porta antes de entrar com o kit médico. Seus cabelos loiros parecem mais bagunçados do que o normal, e sei que eles estavam assim pela força que ela precisou usar para tirar o kit de dentro das coisas do papai. Seus dedos se enrolam em uma bola de algodão e se espremem contra os machucados me fazendo gemer entre os dentes.
- Olhe só para isso... - mamãe sussurra sem me olhar.
- Não deve estar tão mal - minto, sentando-me na cama molhada. - Não foi nada.
- Nada? - mamãe me questiona confusa. - Como não pode ser nada, Emily? Saiu e deixo as duas em casa, volto e encontro Joan batendo em você como se fosse uma louca - minha mãe reclama em seu tom alto demais. Gemo sobre seus gritos. - E me diz que não foi nada?
- Sim, é o que estou dizendo - tento soar o mais convicta possível, pois sei que se deixar que ela saiba sobre os motivos de Joan alguém irá pagar. E esse alguém não começa com J, começa com E. Se eu lhe contasse que Joan havia me batido por causa do baile, da festa de Eloisa Adams e por acreditar que eu havia roubado sua vida mamãe teria rido da situação. Ela teria me dito que deveríamos parar de nos "engalfinhar", que deveríamos começar a lidar com nossos problemas como duas irmãs normais. Essa era a minha mãe. Não importa o quanto Joan me machuque ou me persiga, ela sempre vai acreditar que nós deixar sozinhas em um quarto para conversar vai resolver as coisas. - Nós brigamos, é normal.
- Sim, é normal - ela reclama e espreme um pouco do líquido contra meu machucado. As lágrimas chegarem até meus olhos. - É normal que briguem, que gritem, mas não é normal que ela deixe seu rosto deformado dessa maneira, então... O que está acontecendo entre vocês?
- Nada - repito, e foco um objeto imóvel na parede encardida do meu banheiro.
- Isso nunca aconteceu antes - ela murmura. - Vocês nunca passaram do limite...
- Você já acabou? - pergunto entre os dentes. Mamãe me encara com sua pior cara de preocupação, separa os lábios, mas não me diz nada. Sorrio, mesmo que sorri me machuque ao limite. - Obrigada - digo me levantando. - Você pode sair agora, por favor? Preciso tomar banho. Tenho aula em alguns minutos e não quer atrasar mais do que já estou atrasada.
- Emily...
- Por favor, mãe... - estremeço. Ela suspira entre os lábios abertos, agarra o kit de primeiros socorros e se levanta em suas pernas longas e perfeitas. Quando seus pés param próximo aos meus, ergo os olhos até os seus. Ela se parece com Joan. Os cabelos sempre bem arrumados em seu loiro perfeito, os olhos azuis sempre muito bem pintados com sombras que os deixavam incrivelmente penetrantes, os lábios finos e avermelhados. Tudo o que Joan era vinha da nossa mãe. Tudo o que eu era vinha do nada. Eu não tinha seus cabelos loiros claros, não tinha seus olhos azuis perfeitos e não tinha seus lábios finos. Ao contrário delas, eu tinha cabelo loiro escuro, olhos azuis ruins que precisavam de óculos de grau e lábios carnudos.
Gammy dizia que eu havia saído a sua imagem, que era a cópia perfeita de uma gammy jovem e rebelde. Até queria acreditar, mas meus novos hematomas não permitem.
- Você não pode permitir que ela faça isso novamente - minha mãe me diz, e por um instante preciso me segurar na porta para não cair. - Você saiu de um lugar onde muitas acabam se afundando, se renovou e conseguiu tudo o que mais querida na vida. - ela suspira sem graça. Seus olhos se fixam nos seus, sua mão se ergue e seu polegar toca minha bochecha dolorida. Fecho os olhos. - Você merece ter um pouco do que ela teve durante todo esse tempo.

Emily ParkerOnde histórias criam vida. Descubra agora