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O TIC-TAC do relógio era interrompido apenas pelo barulho alto da chuva contra o telhado. Os meus olhos estavam começando a arder, porque estava sem usar óculos há alguns dias, e graças a isso a minha cabeça parecia que iria explodir a qualquer momento.
O rangido alto das tábuas soltas da escada me fazem fechar os olhos. Mesmo de olhos fechados posso sentir a presença parada na porta do meu quarto. Porta do quarto?! Você não tem mais porta. Lembro-me, fazendo uma pequena anotação no meu diário mental. Papai havia surtado, no instante em que atravessei a porta da frente, depois de três dias no hospital, dei de cara com o meu quarto e zero de porta. Zero porta - e sim cérebro, sei muito bem que minha "zero porta" soa estranho, mas vou continuar a chamá-la de zero porta até que o meu pai a devolva.
O meu pai havia arrancado as dobradiças da porta, e havia a escondido no sótão para a minha própria segurança. Ou seja, sem porta, sem privacidade. Sem nada sólido o suficiente para me separar da existência humana, se é que posso classificar minha família como "seres humanos", que habitava no lugar que costumava chamar de casa. O rangi de tábuas aumenta.
- Não vai mais ao colégio? - a voz, peculiarmente irritada, de Joan corre da minha zero porta até os meus ouvidos. - Algumas pessoas têm perguntado sobre você - minha irmã soa brava cm suas palavras. - Elas querem saber se... - sua voz some, e eu abro os olhos. - Se...
- Se eu realmente tentei me matar - completo por ela. Abro os olhos e encaro seu rosto dourado pelas mil horas no bronzeador. Joan dá de ombros e roda o dedo anular em um fiozinho solto de sua blusa. Pressiono o rosto contra o colchão. - Quem espalhou o boato?
- O que? - Joana enruga o cenho.
- Quero saber qual de vocês duas contou a eles - repito, sem mover um músculo. Os olhos azuis claros da minha irmã me encaram sérios. Aperto os lábios. - Foi você ou Alison que...
- Eu não contei nada - Joan estala me interrompendo. - Não disse nada a ninguém.
- A ninguém? - enrugo o cenho. - Nem mesmo a Alison?
- Bem... - Joan sussurra enrolando o dedo no fio. - Ela é minha melhor amiga.
- Então foi Alison que espalhou - resmungo, ainda pressionando o rosto contra o colchão.
- Não! - Joana bufa. - Ah, foda-se quem disse - minha irmã reclama se aproximando da minha cama. -, só vim dizer que você tem que voltar ao colégio. O mais rápido possível.
- E porque eu faria isso? - questiono, enrugando os lábios. - Você deveria ficar feliz, comigo em casa as pessoas não vão precisar perguntar se somos irmãs de sangue e você não vai precisar fingir que é boa para responder que somos - tagarelo, e minha voz sai tão abafada que julgo nem ter sido ouvida por ela. Joan me encara com confusão. - Está tudo bem, você pode responder quando perguntarem se tentei me matar de verdade - gemo.
- E porque eu iria fazer isso? - Joana dispara. - Não acho que as pessoas devam saber sobre a sua vida particular, Emily - minha irmã resmunga. - Disse a elas que está tendo dias ruins.
- E isso não é "ficar sabendo sobre a minha vida"? - pergunto confusa.
- Não - Joan geme em confusão. - Sim - ela bufa. - Eu não sei. Você é a irmã inteligente, eu sou a irmã bonita, ok? Não sou obrigada a saber essas coisas.
- Ok - murmuro erguendo o nariz. O silêncio incomoda por algum momento, e quando me dou conta do que realmente estávamos conversando, me apoio no cotovelo. - Por quê?
- Eu sou a bonita, Emily - Joan me lembra. - Seja mais especifica. Porque o que?
- Porque está me pedindo para voltar - suspiro. - Achei que estaria feliz sem minha existência por perto - dou de ombros, e ela assente. - Foi à mamãe que te mandou?
- É por isso que sou a irmã bonita - ela sorri sem muitos rodeios. Assinto. - Ela disse que preciso te fazer ir ao colégio - Joan bufa, soltando o fio de sua blusa. - Porque se eu não fizer, se você resolver passar sua vida no quarto escutando essas músicas deprimentes, ela vai me fazer raspar a cabeça. Eu não tive muita escolha - minha irmã vocifera. - Sabe quanto tempo levou para o meu cabelo ficar perfeito? - abano a cabeça. - Muito tempo!
- E eu que pensei que estava, pela primeira vez, preocupada comigo - debocho, movendo as sobrancelhas. - Você não se importa se estou viva ou não, só se importa com o seu cabelo.
- Sinceramente? - minha irmã cruza os braços. - Sim, eu me importo mais com o meu cabelo do que com a sua vida - ela sorri de lado. Gemo. - Se você morresse seri...
- Saia daqui - a interrompo sem perceber, a voz dura e fria. Joan arregala seus olhos azuis pintados com sombra rosa. - Eu mandei você sair da porcaria do meu quarto sem porta.
- Quem você pensa que é... - ela geme, e abana o dedo para mim. - Nunca mais ouse falar comigo nesse tom, Emily. Nunca mais fale assim comigo ou...
- Ou o que? - berro, já sentada na cama. Mal percebi quando tirei as cobertas de cima de mim, e muito menos percebi quando sentei na cama. - Vai contar para o colégio que tentei cometer suicídio? - sorrio irônica. - Tenho uma péssima noticia para você Joan - estalo me levantando e indo em direção ao notebook. - Eles já sabem de tudo.
Seus olhos passam pela pequena nota no site do colégio e voam até mim.
- Sorte sua - Joan dá de ombros. - Significa que já pode voltar a assistir as aulas e parar de bancar a depressiva coitada! - ela ressalta com um sorrisinho cético nos lábios. Separo os lábios, mas não consigo lhe dizer mais nada. Ela é minha irmã. Como consegue me odiar tanto?! Eu não fiz nada para que isso acontecesse. - Estou cansada de trazer os seus deveres, não sou sua maldita empregada e você não está invalida - ela aponta com um tom rude, e eu sinto todos os meus ossos serem chacoalhados. - Volte aquele maldito colégio.
ESSA É A SUA VERDADEIRA IRMÃ, NÃO AQUELA GRACINHA QUE ALISOU OS SEUS PULSOS E SORRIO DIZENDO QUE VOCÊ PODIA FAZER UMATATUAGEM SOBRE AS CICATRIZES, Lizzie, minha super consciência esperta, pelo menos mais esperta do que eu, lembra, fazendo uma pequena nota no capitulo denominado "o demônio da minha irmã". E eu que pensei tê-la visto ser boa no hospital. Ela havia sido compreensiva, legal e até mesmo engraçada comigo durante as primeiras semanas, mas agora estava voltando ao seu normal de sempre e estava mostrando suas garras afiadas. Cruzo os braços, não porque quero parecer durona, mas porque quero segurar meu estômago. É uma metáfora estúpida, mas apertar os braços próximos ao estômago parecer acalmar aquela sensação de vazio que venho sentido.
- O que está acontecendo? - a voz sorrateira da nossa mãe quebra o nosso contato visual. A bola enorme de saliva, isso é nojento, escorrega pela minha garganta fazendo um daqueles barulhos estranhos que ouvimos nos desenhos, GLUB! - Alguém pode me responder? Uh?
- Nada - Joana sorri de lado. - Estamos falando sobre os motivos que ela tem para voltar ao colégio amanhã - minha irmã mente fazendo nossa mãe sorrir. - Não é mesmo Ems?
O olhar atencioso e até mesmo esperançoso da minha mãe afunda o resto do meu estômago.
- É - sorrio de lado, e encaro a madeira velha do piso do meu quarto. Foi um milagre que papai não tenha arrancado as tábuas também, se tivesse o feito poderia me vigiar livremente enquanto tomava seu café na cozinha. Penso, mordendo a boca. Ergo os olhos. - O que?!
- Você tem uma visita - minha mãe me diz com um sorriso largo.
- Ow, o namoradinho nerd veio fazer uma visita? - Joan zomba com um sorrisinho ridículo. Minha mãe, que sempre acha graça em tudo o que Joan diz, ri e pede que ela não me irrite.
- Porque não coloca outra roupa e desce? - mamãe aponta quando lhe digo que não estou disposta o suficiente para receber visitas. Enrugo o cenho, pois todas as minhas tentativas de não ver Jay se tornam um motivo para minha mãe escolher uma peça diferente no meu guarda-roupa. O QUE ESTÁ DANDO EM VOCÊ MULHER? SEQUER GOSTA DELE, O ACHA ESTRNAHO E DIZ QUE ELE TEM CHEIRO DE COMIDA, Lizzie berra em algum momento, e eu adoraria deixa-la assumir e dizer aquilo a minha mãe. Ela me ignora e me faz descer.
Achei que havia deixado claro que não queria receber visitas quando respondi o SMS de Jay com NÃO QUERO VER NINGUÉM. Gemo entre os dentes. A janela em frente à escada está aberta, algumas gotas de chuva molham o piso, mas sei que mamãe não me deixaria fechá-la, pois deixar a janela aberta na primeira chuva do mês era uma espécie de superstição dela. Era algo sobre atrair... Meu coração para de bater. Meus olhos doem e meus calcanhares se viram me fazendo dar meia volta. Minha fuga é impedida pelas mãos firmes da minha mãe.
- O que você faz aqui? - Joan, que está a alguns passos atrás de mim, grita.
- Joana! - mamãe a repreende. Ela me encara com seus olhos arregalados, e eu dou de ombros. NÃO FAÇO A MÍNIMA IDEIA DO PORQUE ELE ESTÁ AQUI, Lizzie berra desesperada, mas nossa mãe a puxa para o andar de cima antes que eu possa lhe pedir ajuda.
Abaixo a cabeça, abano os ombros, mordo os lábios, abaixo a cabeça de novo. Respiro.
- O que faz aqui? - finalmente pergunto. E isso faz com que ele ria.
- Achei que você iria querer ajuda nas matérias que perdeu - seu sorriso branco, como sempre, me cega por completo. Ranjo os dentes, e certifico-me de olhar cada detalhe nele. A blusa azul marinho estava pesada, a cor parecia um pouco escura demais para o habitual azul marinho da camisa do time do colégio. O que me levava à chuva + camisa pesada grudada no corpo = a, ele caminhou até a minha casa embaixo do temporal. Ou ele apenas havia corrido de seu carro até a porta. A SEGUNDA OPÇÃO, ESSA DEFINITIVAMENTE SE PARECE MAIS REALISTA, ATÉ PORQUE ELE NUNCA ANDARIA DEZ QUARTEIRÕES APENAS PARA TE VER, ACORDE, Lizzie me belisca as bochechas. Ele puxa a mochila para o lado.
- Não foi isso que eu perguntei - sussurro. Seus lábios se abrem e se fecham. - O que você faz aqui? - pergunto mais uma vez. - Achei que éramos profissionais - brinco.
- E nós somos - os olhos me encaram sérios. Suspiro.
- Então você não deveria estar aqui - reclamo. - Por favor, vá embora.
- Você tentou suicídio, Emily - Carter Grayson indaga com um tom sombrio, quase magoado e triste. Aperto os dedos sobre o pano macio do meu casaco, e mordo a bochecha. - Como eu podia ser profissional tendo algo tão sério acontecendo na sua vida? - ele pergunta a si mesmo? O silêncio parece ainda mais constrangedor quando as nossas respirações se tornam altas demais. Coço a nuca. - E bem, eu tinha que me certificar de uma coisa - Carter indaga sério. - Tinha que me certificar de que não sou o culpado por isso - ele solta me fazendo arregalar os olhos. - Nunca se sabe quando uma louca vai surtar e cortar os próprios pulsos por causa do seu amor platônico não correspondido. - ele reclama sem nenhum sorriso nos lábios. Meu queixo cair. - É brincadeira! - Carter dá um passo em minha direção.
- Ok! - praticamente grito, e dou um passo para trás. Ele para.
- Calma - o garoto pede com um sorrisinho nos lábios. Assinto em pânico. POR FAVOR, DEUS, QUE ELE NÃO PENSE MESMO QUE É O CULPADO, Lizzie reza. Minha cabeça dói quando ele dá outro passo na minha direção. - Eu sinto muito - Carter sussurra enrugando o nariz. - Sou péssimo em piadas - assinto. Os olhos castanhos de Carter Grayson parecem menores, até possuem veias vermelhas. São olhos de alguém que andou chorando... Ou fumando maconha. ELE NÃO FUMA MACONHA, ELE É UM GAROTO EXEMPLAR, Lizzie, em seu surto apaixonado, rosna me fazendo apertar os lábios. - Só quero te ajudar na matéria que perdeu - ele chama minha atenção. - Achei que seria legal ter alguém pra ajudar.
- Por quê? - questiono.
- Só achei que... - o dono dos olhos castanhos pequenos e vermelhos dá de ombros.
- Achou que caridade iria te garantir uma vaga no céu, certo? - estalo. - Desculpa te apontar Grayson - resmungo irritada. -, mas se entendi a bíblia corretamente, e creio que entendi muito bem, não irei para o céu. Almas suicidas não...
- Puta que pariu - Carter estala. - Você pode, por favor, calar a merda da sua boca por pelo menos 5min e me ouvir? - ele esbraveja, deixando a mochila cair ao lado do pé. Arregalo os olhos. Seus passos param, e eu paro de andar para trás. - Eu soube o que havia acontecido, Joan não fez muita cerimônia ao contar a Alison e bem... Ali não deveria contar a ninguém, mas ela acabou me contando e - ele morde os lábios e dá de ombros daquele jeito que só os garotos populares fazem. Ergo as sobrancelhas. - E pensei em vir aqui e conversar com você.
- Sobre?
- Sobre o que aconteceu.
- Como se você fosse um psicólogo? - questiono, e tento empurrar os óculos, que por sinal não estou usando, para trás. Ele ri. - Você não é um psicólogo - resmungo. - E não é meu amigo para vir até a minha casa e tentar um exorcismo, ou sei lá o que seja tudo isso que está tentando fazer - estalo dando de ombros. - Você apenas estava interessado em pregar peças na sua namorada e - gaguejo através dos meus dentes trêmulos. Viro-me sobre os calcanhares, pois mesmo que tenha criado uma espécie de coragem desde o dia que sai do hospital, não posso encará-lo. Ele é Carter Grayson, o cara-que-nunca-saberia-que-existo-mas-que-sabe-que-existo, e ele esta em minha casa por pena. Está sendo legal porque sou a garota que tentou cometer suicídio. Não vou conseguir dar uma de forte perto dele. - E eu entendo isso, Carter Grayson. Realmente entendo, mas você não precisa - insisto, sentindo minha garganta se fechar com o possível choro. - Não precisa fazer caridade comigo.
- Wow - Carter profere com um tom meio rouco e sem graça. - Você consegue ser tão irritante quanto Joan - ele reclama sem nenhuma cerimonia. - A diferença é que ela não se esconde atrás de uma roupa feia e óculos de vovó.
- Eu não sou... Não sou... - trinco os dentes. - Eu não sou nada parecida com ela - indago entre os dentes ainda serrados. Carter move as sobrancelhas para mim. - Você não sabe nada sobre mim - aponto. - Oh sim, você sabe o meu nome porque dorme com a melhor amiga da minha irmã, mas não sabe nada sobre mim - e sem perceber estou gritando. Carter mantém aquela expressão séria e paciente. Agarro os meus cabelos. - Oh meu Deus, se você, ou qualquer pessoa daquele maldito colégio, pudessem sentar cinco minutos e para ouvirem algo dos meus lábios sem ficarem fazendo caretas ou parecendo apáticos! - vocifero. Ele continua calado. - Aposto que você e nem ninguém me olharia assim - aponto para ele. -, assim com essa carinha de "ela é tão coitada".
- Eu nunca...
- Não me interrompa - estalo fazendo-o recuar. Meu rosto dói para a expressão carrancuda que tenho, talvez por nunca tê-la usado, ou talvez por ter assustado até mesmo a Carter. Separo os lábios, mas nenhum som vem. Abano a cabeça, viro-me sobre os meus pés suados e corro escada à cima. Me jogo sobre o pequeno colchão da minha cama de solteiro. - Não me irrite Joan, eu não sei o que ele veio fazer aqui - grito quando os sons de tábuas rangendo me arrepiam os pelos da nuca, com o rosto pressionado contra a almofada. - Me deixe...
- O que você tem a dizer a todos nós que faria com que não a olhassem com cara de "ela é tão coitada"? - Carter Grayson resmunga bravo. CARTER GRAYSON RESMUNGA BRAVO, NO MEU QUARTO. NO MEU QUARTO COM ZERO PORTA. Desgrudo o rosto da almofada. Ele está parado no batente, sua expressão atenciosa me deixa confusa.
Qual o seu problema? Quero gritar entre minhas lágrimas, mas meu coração estava batendo muito forte e o sangue está sendo bombeado rápido demais para o meu cérebro. Aposto que se abrir a boca irei dizer uma tremenda bobagem. Mas é exatamente o que faço. Sento-me e abro a boca. Conto cada detalhe da minha existência como ser vivo ao longo daqueles dezesseis anos. Conto sobre a minha cidade natal, sobre como as festas em família eram engraçadas, sobre como a minha mãe nunca foi uma mãe atenta, sobre Joan, sobre o jardim de infância. Não tenho ideia de que sentimento seja esse que me toma, mas o silêncio de Carter enquanto conto sobre como foi em Nova York e como tem sido em Chicago parece acolhedor. Acolhedor o suficiente para me deixar chorar sem vergonha alguma. É engraçado que eu nunca tenha contado ao analista da família que tenho pesadelos com a separação dos meus pais, mas tenha contado a ele. Carter sorri quando conto sobre a minha amizade com Jay, e sobre como rezo todos os dias para que Deus não tome Clarice de mim, pois ela é minha única amiga mulher no momento. Ele assente sempre que faço uma pergunta retorica, e até mesmo faz questionários sobre o que mais me chateia sobre o colégio, ou sobre o modo como a minha mãe lida comigo.
- Deve ser difícil - Carter admite. - Mas isso não te faz uma coitada - seu semblante muda para uma expressão pensativa. VOCÊ POR ACASO OUVIU ALGO DO QUE EU LHE DISSE? - Isso não te faz uma coitada porque existem histórias piores, Emily - o garoto explica com cautela. Assinto sem muita vontade. - Sei que uma traição é demais, eu não perdoaria o meu pai se ele fizesse algo do tipo com a minha mãe, mas existem histórias piores.
- Não me importo com as outras histórias - a frase, por mais egoísta que possa soar, é verdadeira e fiel ao que estou sentindo. - Me importo com a minha história.
- Isso soa egoísta - o garoto aponta. Mordo os lábios. - E é ridículo que tenha tentado abrir mão da sua vida por isso - Carter vocifera. - Uma vida é...
- Importante demais para ser deixada de lado - o interrompo com a frase que havia se tornado habitual para mim. Ele assente, se levanta da minha cama e anda de um lado para o outro sobre o carpete velho e poeirento do meu quarto. PARE DE ANDAR DE UM LADO PARA O OUTRO PORQUE ESTÁ LEVANTANDO POEIRA E O MEU NARIZ ESTÁ COÇANDO, Lizzie reclama, e eu espirro.
- Você não deveria se prender as coisas que aconteceram no passado - Carter quebra o silêncio. - E muito menos deveria se preocupar com o que os outros pensam ou fazem com ou para você. Geralmente as pessoas dizem que tudo vai ficar bem - ele para de andar. -, mas eu não acho que as coisas fiquem bem de verdade se você não tentar. Nada pode ficar realmente bem quando estamos tão presos ao passado e a coisas pequenas que aconteceram em nossas vidas - o garoto suspira baixinho. - Você tentou se matar por causa... Dos problemas dos outros - ele gagueja abanando as mãos. - Isso soa tão...
- Não foi por isso.
- O que? - Carter ergue os olhos até os meus. - Não foi?
- Não - sussurro, encostando o queixo nos meus joelhos. - Eu não sou tão estúpida assim, Carter. Eu não me mataria porque o meu pai traiu a minha mãe ou porque o colégio está sendo uma tortura para mim - resmungo mais para mim do que para ele.
- Então o que foi? - Carter pergunta curioso, mas eu mantenho o silêncio. A chuva havia aumentado, agora ela tocava uma melodia grossa e até mesmo assustadora contra o telhado, e o dia lá fora parecia mais escuro do que o normal. Esfrego os dedos sobre as patelas dos meus joelhos, mantenho os meus olhos sobre a pele avermelhada e tento não pensar muito na pergunta de Carter. ENTÃO O QUE FOI? Bem, por onde eu poderia começar? Já lhe contei sobre a minha vida, agora talvez eu deva contar sobre a carta e sobre como ela foi à última folha sobre a pilha enorme que havia sobre os meus ombros. Penso.
- Não importa mais - quebro o silencio. - Não foi você mesmo que disse que nada pode ficar bem se estamos presos ao passado? - questiono, esperando que ele deixe sua curiosidade ir. Dou de ombros. - Então é melhor deixar no passado - espremendo os lábios entre os polegares e indicadores. - Na verdade, agora que coloquei para fora, acho que irei ficar muito bem. - dou de ombros. - E não se preocupe, tenho o meu pai para me ajudar na maior parte do tempo - sorrio sem graça. - Ele pode ter feito toda a merda do mundo, mas ainda é o meu pai nas horas vagas e... - suspiro mirando à zero porta no meu quarto. - Ele ajuda bastante.
- Achei que você o odiava.
- E porque eu o odiaria? - enrugo o cenho.
- Por ele ter traído a sua mãe?!
- Ele traiu a minha mãe, não a mim - gemo entre os dentes. Carter analisa meu rosto por tempo demais. - Não é porque ele fez toda essa confusão que eu vá deixar de gostar dele.
- Que engraçado.
- O que é engraçado? - pergunto quebrando nosso contato visual.
- É engraçado que você seja tão... - Carter sorri para seu pensamento. - Tão normal.
- Você por acaso está me zoando? - gemo me jogando para trás. - Porque se estiver, por favor, pare - resmungo encarando o teto. - Não tenho forças para isso agora.
- Não Emily, não te zoando - os passos pesados de Carter caminham até a minha cama e o colchão afunda quando seu peso é largado sobre ele. - Estou dizendo que é normal no sentido que é realmente normal - sua voz soa ainda mais confusa. - As pessoas têm suas ideias sobre você, sobre o porquê você fez o que fez, sobre quantos remédios você deve tomar para não ficar depressiva, mas... Jesus, você é só uma garota normal que acabou pisando no ovo errado enquanto tentava sobreviver na selva chamada colégio. - seu rosto tampa a minha visão privilegiada do teto. Os meus olhos não se arregalam, para ser sincera eles esquentam com a visão perfeita do rosto perfeito de Carter Grayson. Suspiro.
- Porque você está aqui Carter? - pergunto mais uma vez. - Não é pela cadeira no céu, não é porque está interessado em saber o que os loucos tomam para não serem depressivos, não é porque quer zombar de mim... - gemo. - Então porque ainda está aqui me ouvindo?
- Sinceramente? - Carter enruga o cenho. - Não sei o que estou fazendo aqui - ele admite abanando seus longos cílios negros. Ergo o corpo ficando sobre meus cotovelos, o que faz com que ele se afasta propositalmente de mim. NÃO SE AFASTE, ME BEIJE, Lizzie implora. Arregalo os olhos, e ele ri. - Eu estava indo para casa quando vi o livro de história e pensei: o que será que aquela garota estranha, e agora suicida, está fazendo para passar o tempo?
- Você não pensou isso! - digo com o queixo caído. Carter rir.
- Não - ele sorri. - Eu não pensei isso - o dono dos olhos castanhos e nariz coberto por sardas, beijos de anjos, enruga os lábios em um franzir feio. - Mas eu estava pensando em você hoje na aula de história. O professor estava falando sobre o trabalho e o seu amigo, acho que ele se chama Jay, - Carter soa em um tom de pergunta e eu assinto. Ele se ajeita na cama e continua com sua explicação. - disse que estava com o seu trabalho.
- Então você pensou: eu bem que poderia ir dar um oi a garota que me ajudou a sacanear a minha namorada e dizer o quanto sou humano o suficiente para ter pena dela.
- Ex-namorada.
- O que?
- Digamos que sacanear ela fica chato quando se vira corno.
- Ela... Como eu falo isso? - franzo os lábios em confusão. - Ela te colocou chifres?
- Não, Emily - Carter ri e dá um soquinho no meu ombro. FRIENDZONE, Lizzie berra por mim. Murcho os lábios. VOCÊ ACABOU DE RECEBER UM SOQUINHO DE FRIENDZONE, COMO SE SENTE? Gemo. - Eu já sabia que ela estava saindo com outra pessoa - ele explica sem muita importância. Enrugo o cenho. Ele sabia que Alison estava o traindo e mesmo assim continuou com ela? Eu não entendo essa coisa de namoro. - E não, não pensei isso. Só pensei em você - sua voz assume um tom sério ao responder outro tópico do meu questionário. - Pensei em te visitar, conversar um pouco.
- Obrigada.
- Você não precisa agradecer - Carter Grayson sorri de lado. Sorrio de volta. FRIENDZONE, FRIENDZONE, FRIENDZONE, Lizzie samba desesperada. Rolo os olhos. - Er... Acho melhor eu ir agora - a voz confusa de Carter me faz enrijecer. - Eu vou nessa.
- Tudo bem - sussurro, mordendo os lábios. - Vou te levar até a porta - digo me levantando. Ele assente e me segue escada a baixo. Por sorte Joan não está em nosso campo de visão, temo que isso tenha algo a ver com a minha mãe, e não é constrangedor quando Carter se debruça para frente e me abraça sem jeito. Quando nossos corpos se separam meu cabelo se prende no botão enferrujado de sua jaqueta. - Ah, droga! - gemo quando seus dedos longos puxam, sem nenhuma delicadeza, os fios do meu cabelo os quebrando. Carter se desculpa com um tom baixinho e preocupado. - Está tudo bem - sorrio de lado. - Obrigada por ter vindo.
- Sei que você não quis me dizer o motivo por trás disso - Carter indaga agarrando minhas mãos. A minha primeira reação é recolher os dedos, depois tento encontrar algum resquício de magoa por ter reagido tão mal e pouso as mãos sobre as dele novamente. Seus dedos quentes se esfregam na minha pele e ele lentamente vira os meus pulsos para cima, mostrando os curativos branquinhos que minha mãe havia colocado há algumas horas. - Mas espero que um dia possamos sentar e conversar a respeito - ele sorri de lado. - Você não precisa conviver com essa lembrança sozinha, entende? Aposto que seus amigos, e até mesmo eu, adoraria ouvir o motivo - Carter Grayson indaga, sua voz é um misto de... Não faço ideia. O que ele estava tentando dizer? Que queria ser meu amigo? Por quê? A porta da cozinha de abre com força. Joan. Eu não preciso olhar para trás para saber que esse comportamento estúpido vem da minha irmã. E se bem a conheço, aposto que ela estava querendo quebrar o meu pescoço por ter passado quase três horas conversando com o namorado... Ex-namorado da sua amiga.
- Até mais - sussurro já fechando a porta, mas ele meio que grita o meu nome. - Sim?
- Você é incrível - Carter sorri abrindo a porta de seu carro, mas eu não entendo direito, pois o céu faz um estrondo alto o suficiente para abafar suas palavras. A chuva cai sobre seu corpo fazendo-o se encolher contra o frio. Enrugo o cenho e dou um passo débil para fora.
- Eu sou o que? - grito sobre o som da chuva.
- Não deixe que te digam menos que isso - o garoto completa antes de entrar em seu carro e fechar a porta. EU NÃO OUVI O QUE VOCÊ DISSE, Lizzie se joga no chão imaginário. Quero correr até ele e lhe dizer que não ouvi, mas mantenho meus pés firmes no chão e assisto seu carro desaparecer da minha rua.
Abano a cabeça tentando afastar o pensamento estúpido de ELE PASSOU A TARDE CONVERSANDO COMIGO e subo ás pressas, pois sei que se ficar um instante na presença de Joan terei minha cabeça arrancada. Minha mão voa para a maçaneta invisível da minha zero porta. Rosno ao me lembrar da inexistência dela. Os passos na escada fazem com que meu coração acelere. Corro em direção ao meu armário, pois ele foi o único a permanecer com porta, e me tranco nele. Pelas frescas empoeiradas posso ver a silhueta magra de Joan andando de um lado para o outro em meu quarto. O barulho da chuva atrapalha minha audição, mas tenho para mim que mamãe a chamou, pois Joan bufa e sai do quarto do mesmo modo que havia entrado: querendo derrubar tudo. Encosto a testa contra a madeira fria da porta e fecho os olhos. O celular em meu bolso, porque agora ele virou o meu melhor amigo, vibra me assustando.
Esteja pronta antes das 7h.

Emily ParkerWhere stories live. Discover now