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Segunda-feira, 09 dias para o baile...

       Assim como a escuridão me atingiu, a claridade surgiu, rápida, confusa e sufocante.
Você não sabe o quanto pode ter medo, até que algo realmente apavorante te acontece. Algo que não se pode ser previsto e nem evitado, que não se pode mensurar o quanto vai afundar sua vida.
Nós estávamos no carro. Era noite, chovia do lado de fora e Joan me irritada do lado de dentro. A autoestrada que costumávamos pegar para chegar em nossa casa estava congestionada, alguma construção estava tornando o trânsito caótico. Caos. É uma palavra que pode perdurar um significado bonito quando se visto em uma tela no museu, ou quando é colocada em uma peça teatral cheia de músicas dramáticas e cenas de arrepiar. Caos não é nada bonito quando se agarra em você e te afunda, afunda, afunda... Afunda. Não é. É frio, escuro e assustador.
Não sei exatamente qual foi a primeira sensação que tive quando tudo se apagou para mim, apenas lembro de ter a leve noção de barulhos de vidros, e então tudo foi ficando mais distante e minha cabeça mais pesada. Então eu dormi, por mais ou menos três semanas, envolta no caos.
Acordar também foi caótico. Doloroso. Confuso. Assustador. Para ser sincera, foi apavorante.
Para mim, acordar de um longo sono foi frio. Foi como ser arrancada de um lugar quente, como quando somos bebês e somos arrancados de dentro das nossas mães para um mundo novo, onde a nossa primeira ação é chorar. Eu quis chorar. Quis gritar para que tirassem aquela coisa da minha garganta, quis implorar para que trouxessem a minha mãe até mim ou me devolvessem para dentro dela, onde nada podia me atingir e me machucar. Onde eu estava segura de tudo.
O coma é estranho. É como um sonho leve e pesado, onde algumas vezes você consegue perceber que está sonhando, mas em outras não consegue perceber nada. Eu percebi suas vozes, o que sobre minha pele, as cerdas macias de alguma coisa sobre os meus cabelos, a sensação gélida de algo molhado sobre a minha bochecha. Senti, mas não percebi tudo como uma ação onde estivesse presente, onde a jaula dos acontecimentos fosse o meu corpo inerte na cama.
E sem saber da minha participação principal, eu acordei. Não foi nada épico como vemos nos filmes. Não foi a voz de alguém que amo ou a minha música favorita tocando ao longe que me fez submergir. O que me trouxe de volta foi uma picada de mosquito sobre minha coxa, e um solavanco violento, como em uma noite cheia de pesadelos, onde algo te obriga a abrir os olhos.
Então, os meus ouvidos empurraram os sonhos leves para longe aos poucos, e os sons voltaram a fazer sentido. Minha pele gritou contra uma ardência rangente nas panturrilhas, braços, costas e bunda. Meus olhos me traíram sobre as luzes claras de um quarto muito branco, e meu cérebro pareceu se afogar dentro de seus esquemas de armazenamento, procurando cada pasta de informação até se estabilizar ao compreender, a sua maneira, o que estava acontecendo.
Eu estou no hospital. Foi o meu primeiro pensamento. O meu corpo dói como quando fiquei de greve e não sai da cama por três dias, o que poderia significar que estava deitada a muito tempo. E os pensamentos seguintes vieram a todo vapor, mas nada parecia permanecer por muito tempo em minha cabeça, como se as informações estivessem sendo passadas em flash.
Era tudo uma confusão, mental e sensorial. Tudo parecia gritar e me causar dor, me deixar tonta e me fazer querer voltar a dormir. Estava tudo fora do lugar, pois minha última recordação era o vidro da janela ao meu lado amassando o meu rosto, e Joan gritando comigo. Não um hospital.
Foi quando as primeiras lágrimas vieram. E foi quando as mulheres de rostos desconhecidos entraram no quarto, quando um homem de branco e azul balançou um feixe de luz sobre os meus olhos e chamou o meu nome.
Eles me furaram, me ajeitaram na cama, removeram o tubo angustiante da minha garganta, me pediram paciência e me deixaram cochilar entre cada coisa. Era como eu estava enquanto eles me moviam, cochilando, adormecida entre estar acordada e estar dormindo. Presente, porém ausente em todo o processo até que finalmente o meu cérebro voltou à tona.
As informações começaram a se equilibrar, assim como as ações sensoriais, motoras e cognitivas. Eu estava, milagrosamente, bem. E apesar dos oito dias seguintes de exames, o homem de branco e azul, Elias Salazar, me disse que estava na hora. Ele me disse que eu podia ir para casa, que nada mais poderia acontecer, pois era uma sobrevivente. Eu, uma sobrevivente.

Emily ParkerWhere stories live. Discover now