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       O TIC-TAC do relógio faz com que á atmosfera fique ainda mais pesada do que já estava quando eu e minha irmã chegamos do colégio. Os olhos vermelhos de nossa mãe estavam fitando o nada, já o nosso pai estava com seus grandes olhos azuis fechados como se quisesse esconder algo. Quando Joana rodou a maçaneta dourada ouvimos os primeiros gritos. Ela me encarou com aqueles seus olhos azuis que carregavam 500 kg de maquiagem, me empurrou para dentro e correu agarrada a minha mão em direção aos gritos. Nossos pais ficarem em silencio quando atravessamos a porta branca da cozinha. Meu coração batia como se estivesse correndo uma maratona, meus olhos ardiam e minha cabeça gritava ELE ESTÁ BATENDO NELA, FAÇA ALGO. Os meus pais nunca brigavam, nunca ficavam sem se falar e ele nunca, nem em um milhão de anos, havia erguido a mão para ela. Acho que esse era o motivo para os gritos na minha cabeça, aquela era uma situação inusitada e meu cérebro buscou a pior das informações possíveis, aquela que quase sempre acontece aos pais das pessoas que não conhecemos, ou as mães dos seriados americanos. Mamãe nos encarou com seus olhos azuis avermelhados, ela tinha aquele ar de mulher destruída e a rouquidão em sua voz chegava a me arranhar: eu e seu pai vamos nos separar. O choque foi tão imenso, tão desconexo com a nossa família que meu cérebro implorou para que meu pai estivesse batendo nela, ou ela batendo nele. Qualquer coisa seria melhor do que aquilo. Joana rio debochada, rolou seus olhos e disse que eles estavam brincando. Vocês se amam demais, nunca se separariam. Nunca. Minha irmã disse. Acho que ela não conseguia enxergar a dor nos olhos dos nossos pais, mas eu conseguia. Eles estavam se olhando como Mike e Dayse, de um filme antigo que vi na classe da Sra. Smith, se olharam quando ele descobriu que ela estava o traindo. Era um olhar de decepção, um olhar que parecia demonstrar o tamanho da merda que a pessoa havia causado em sua vida. Era um olhar de “acabou, não existe mais volta, não podemos mais viver assim”. E então o meu pai sai da cozinha, a porta se bate com força e minha mãe cai em lágrimas. Acabou.
Abro os olhos sentindo a luz me cegar. O ar se empurra em meus pulmões me fazendo procurar uma maneira melhor de sentar, minha cabeça pesa e quando toco no meu rosto tenho uma fina camada de suor sobre toda a minha testa. Estava sonhando. Há quase dois anos que venho tendo o mesmo sonho. Quase todas as noites eu me deitava, rezava para que Deus tirasse aquele momento da minha cabeça, para que eu pudesse ter uma noite calma. Ele me dava noites calmas, mas os começos das manhãs eram terríveis. Era como se o meu sonho soubesse quando o dia estava chegando, pois sempre me acorda em um solavanco: com a porta se batendo e a minha mãe caindo em lágrimas. Não que sonhar com a separação dos seus pais seja algo demais, acredito que seja a maior idiotice de todas, mas não diminui o fato de que ainda acordo assustada todas as manhãs. Talvez tenha sido o motivo da separação. Naquela época éramos uma família feliz como qualquer outra, — de um modo disfuncional, mas éramos felizes — e a descoberta de uma traição fez com que toda aquela felicidade fosse por água abaixo. Mamãe é uma mulher distraída, na verdade em boa parte do tempo ela tem sido assim, e meu pai é um advogado viciado em academia. Seria legal se fosse apenas isso, mas o fato é que meu pai não era viciado na academia, mas sim na pessoa em que ele encontrava lá. Mamãe o pegou com “a boca na botija”, já que resolveu passar na academia e descobriu que o idiota não frequentava o lugar a mais de seis meses. É claro que ela não deixou barato, rodou a cidade inteira atrás do seu carro e quando encontrou bateu de frente com um motel meia boca. Ele estava tendo um caso. Ela descobriu. Eles se separaram. Ela o perdoou depois de dois meses, e então nos mudamos de cidade. A porta se abre com um estrondo alto me fazendo dar um pulo da cama, ficando em pé em menos de dois segundos. Pisco os olhos alheia ao rosto bravo a minha frente.
— Você é surda? — Joana, minha adorável irmã, berra comigo. — Estamos atrasadas.
— Não, não estamos — sussurro olhando para o relógio. Meus olhos, que não funcionam muito bem sem os óculos, se arregalam. 07h40min. — Santo Deus, estamos atrasadas! — indago fazendo-a bufar. Joana arremessa um dos meus tênis em mim, bate a porta com força e me deixa sozinha em minha confusão. O colégio abre ás 07h30min, a aula começa ás 07h45min, o que não me dá muita escolha a não ser ir para aula sem tomar banho. Me enfio em um jeans folgado, tão folgado que minhas pernas sambam dentro dele, agarro a  blusa com estampa de margaridas, presente da minha gammy, e a visto com dificuldade. O tecido gruda no meu pescoço suado, mas entra depois de muito esforço. Minha jaqueta jeans desbotada é o terceiro item a ser vestido, depois enfio os pés nos meus tênis úmidos e corro escada abaixo ainda com a escova na boca. Minha mãe me entrega uma tigela de cereais, Joana arregala os olhos para a minha roupa e grita para que eu a troque, mas a ignoro e entro no carro antes que fiquemos ainda mais atrasadas. O começo do caminho ela reclama sobre o meu cheiro de suor — o que me faz gemer e ficar sem graça —, e depois reclama sobre como estou parecendo uma idiota vestida daquele jeito no primeiro dia de aulas. Não é o primeiro dia de aulas. É o primeiro dia de aulas depois das férias de inverno, mas Joana acha que toda volta às aulas é motivo de comemoração e roupas novas. Mas não se engane, não é uma comemoração porque ela é a aluna nota A ou porque está interessada na aula de inglês, minha irmã tem um vocabulário de 50 palavras, e seu interesse no colégio se resume em cabular aula para trocar saliva com Patric Hayes. Enfio outra colher de cereal na boca. Porque uma garota de dezesseis anos se veste assim? Minha mãe se junta à conversa no momento em que atravessamos o segundo semáforo. Suspiro. Desde que havíamos mudado para Chicago que ela vem se aliando a Joana, sempre reclamando sobre como eu me vestia, sempre tentando fingir que estava por dentro das coisas que aconteciam em sua família. Bem mãe, eu tenho uma novidade: você não sabe de nada. Eu tenho dezesseis anos, notas que vão me dar uma boa colocação no grau do colégio, uma boa vaga na faculdade de filosofia, um melhor amigo e a senhora continua achando que não sei soletrar A-M-E-B-A. Enquanto ela reclama, reclama e reclama sem parar me concentro em terminar o meu cereal e não pensar em Nova York. Quando mamãe descobriu sobre a traição e resolveu se separar o mundo pareceu não ter sentido sem que eles estivessem juntos. Ela perambulava pela casa chorando, vivia despenteada e por um momento conseguimos ter uma boa convivência, com o passar do tempo a vi melhorar em algum ponto do modo zombei, mas Joana a convenceu de que a melhor opção era perdoá-lo e seguir em frente. Sei que ela não se importa com o casamento dos nossos pais, Joana só estava com medo dele se casar de novo e ter um filho homem. Em outras palavras: MAIS UM FILHO PRA DIVIDIR O DINHEIRO.
— Emily? — a voz mansa da minha mãe me chama. — Já chegamos. — ela conclui quando a olho, confusa. Joana está do outro lado do jardim do colégio quando finalmente caio em mim e saiu do carro. Mamãe coloca o seu melhor sorriso ao me desejar um bom dia. Sorrio sem graça. Caminho as pressas para que ninguém consiga me notar, mas é claro que a minha querida e doce irmã faz questão de avisar a sua trupe que viemos juntas, ou senão elas não estariam arremessando coisas em mim por todo o corredor do primeiro ano. Mordo as bochechas, pois sei que a qualquer momento posso começar a chorar, e isso seria extremamente humilhante. Uma vez, quando estávamos nos enturmando com os alunos, Joana resolveu que seria engraçado praticar bullying comigo e isso me fez chorar na frente de todo o refeitório. Naquele dia chorei como um bezerro desmamado, mas prometi que nunca mais deixaria isso acontecer, pois chorar por causa das brincadeiras idiotas dos amigos da minha irmã me parecia uma grande placa em neon escrito SOU RETARDADA, MEXAM COMIGO. Meus olhos se acostumam com a imagem nublada de uma blusa de margaridas. O ar que existe em meus pulmões desaparece. A garota para a alguns metros de mim, seus lábios se abrem e seus olhos se estreitam para a minha blusa. Ao contrário da minha blusa de margaridas, que é larga e desbotada, a sua é curta e justa no corpo. O rosto de Alison Prescott, a melhor amiga de Joana, parece um tomate de tão vermelho. Mas não é vermelho de vergonha, é vermelho de raiva, pois estamos usando a mesma blusa. Ela pragueja um palavrão e as garotas ao seu lado soltam murmurinhos que aposto serem sobre nossas blusas gêmeas. Aperto a alça da minha mochila quando sinto os olhares furtivos, que são constantes, em minhas costas e começo a cantar uma musica qualquer para confundir a vontade de sair correndo e enfiar a cara na mesa da carteira. Estou no segundo ano do ensino médio, tenho notas boas e um melhor amigo. Isso mesmo que você leu. UM MELHOR AMIGO. No masculino e no singular porque pedir mais de um seria apelação a Deus.
— Terra chamando Emily — uma voz rouca sussurra ao pé do meu ouvido. Relaxo. Seus braços largos e frios se acomodam no meu pescoço em um abraço apertado. Jay Jensen. Meu melhor e único amigo. Jay Jensen é um nerd que faz questão de enfocar sua nerdice. Joana acreditava que andar com ele era como andar com a morte. Adoraria andar com a morte se ela for um terço parecida com ele. O sorriso cheio de sinceridade de Jay me afoga quando ele me encara com seus grandes olhos castanhos. — Seja-bem vinda à volta as aulas! — Jay diz com um falso sotaque francês, para imitar o nosso diretor. Sorrio empurrando-o de lado. Ele me segue pelo largo corredor de carteira, puxa a mesa que é nossa desde o primeiro dia de aula e se senta ao meu lado. Agarro meu caderno antes mesmo de conseguir respirar. — Opa, nada de estudar Emily, as aulas nem começaram ainda. Não seja chata — meu melhor amigo reclama tomando o caderno de minhas mãos. — Me conte como foram as férias.
— Mas eu preciso ver a matéria antes... — ele ergue o dedo indicador para mim e paro de falar. Bufo. — Péssimas. — admito dando de ombros. As minhas férias foram as piores possíveis. Meus pais resolveram acampar, o que por mim era relativamente interessante, mas as palavras natureza + acampamento não se aplicam a Joan Parker, pois ela precisa de uma tomada para sobreviver. Então multiplique 15 dias de chuva, uma irmã resmungando a cada 5min e pais fazendo sons de sexo na barraca ao lado. Para resumir: as piores férias de toda a minha triste vida. — Fomos acampar por 15 dias, mas Joan não consegue formar uma frase sem ter um corretor automático então acabamos voltando para o hotel. — digo dando de ombros.
— Pelo menos você não ouviu os seus avôs brigando 25h por dia. — ele tenta.
— E você não... — mordo as bochechas. Você não ouviu a sua mãe gemendo enquanto fazia coisas obscenas... Não tenho certeza se essa é uma informação relevante, e muito menos uma informação a ser dada a um melhor amigo. Abano o pensamento para bem longe. Ele sorri como se estivesse esperando uma noticia bombástica. — Esquece.
— Ah qual é! — Jay reclama. — Termine o que estava dizendo.
— Não é nada — sussurro mordendo os lábios. Ficamos sentados conversando enquanto os alunos normais gritam como foram suas férias, espalmam suas mãos umas nas outras em um High Five e ignoram o fato de que estaremos tendo aula em cerca de 1min. Jay ri enquanto conta como foram suas férias com seus avós, eu sorrio para suas piadas estranhas e quando o sinal bate arregalo os meus olhos. O professor atravessa a porta trazendo todos os alunos com ele, mas não é isso que me surpreende. Solto uma lufada áspera de ar.
— Senhor Grayson  — o tom entusiasmado do professor faz com que todos se calem em questão de segundos. Pisco aturdida. Deus só pode estar de brincadeira. Penso, sentindo meu queixo cair no chão. — É bom vê-lo novamente, seja bem-vindo ao segundo ano do St. Augustus... De novo. — o homem diz com um sorrisinho de vitória no rosto.
— É uma honra está em sua classe mais uma vez professor Mavor — Carter sorri enfiando as mãos nos bolsos da jaqueta do time da Augustus. Se eu conseguisse ver minha expressão acho que estaria surpresa, com as bochechas vermelhas e possivelmente aparentando um problema cerebral grave, pois não é todo dia que se respira o mesmo ar que um Grayson. — Não é gratificante que o senhor tenha me reprovado?! Assim podemos passar mais tempo juntos.
— É isso que dá quando não se comparece as aulas, Sr. Grayson — o professor responde sorridente. Então... Carter Grayson, o cara mais popular e mais desejado de toda a St. Augustus havia sido reprovado de ano por português? Primeiro a minha mãe me comprando batom florescente, depois o meu pai tentando fazer com que tivéssemos mais jantares em família e agora Carter Grayson está na minha classe de português por ter repetido o ano?! RESPIRE, RESPIRE! A PIOR COISA QUE PODE ACONTECER É ELE... NÃO TE NOTAR COMO TEM FEITO POR TODO ESSE TEMPO. Não tenho certeza, mas sinto como se o apocalipse estivesse começando a acontecer por debaixo dos panos naquele exato momento. — Agora pare de atrapalhar, o tempo é curto e não temos tempo de bater papo desnecessário  — o Sr. Marvo reclama com ele. O garoto sorri sarcástico. — Sente-se, por favor.
Carter estoura uma bola de chiclete — típica cena de filme teen — e anda em direção as fileiras do fundo. Ele sorri para cada garota na sala, e cada uma solta um suspiro alto e afetado. Oh Deus, hoje é o dia perfeito para nos inscrever em um concurso de filmes caseiros sobre adolescentes. Aposto que estou no meu sofá assistindo De repente 30, e estou sonhando com o Carter Grayson que nunca estaria reprovando matérias do colégio.
— Você vai babar Emily — Jay alfineta me comprovando que não estou sonhando, e ressaltando o fato de que estou de boca aberta. Torço o nariz e agarro meu caderno. Você tem uma paixãozinha platônica por ele. Meu melhor amigo escreveu em um pedaço de papel rosa. Rolo os olhos por detrás dos óculos. Eu não tenho uma paixão platônica por Carter, longe disso, só o acho ridicularmente bonito e vê-lo na minha classe é como ver o Brad Pitt se separando da Angelina Jolie. O professor bate na lousa e introduz o assunto do novo semestre. No final do dia, depois de três aulas, somos liberados. Como de costume fomos direto para a lanchonete, onde tomávamos nossa mistureba de frutas antes de irmos jogar vídeo game. Todos os alunos costumavam se juntar no campus depois do primeiro dia de aula. Parecia uma daquelas coisas que só se fazia em grupo, mas a verdade é que ninguém tinha nada melhor para fazer e ficar jogado na grama com os amigos parecia mais divertido do que ir para casa e ver TV. Joana estava sentada nas pernas longas de Patric, seu namorado e capacho, enquanto conversava furtivamente com Alison. Meus olhos foram atravessando os rostos dos amigos da minha irmã até pararem no sorriso perfeito de Carter Grayson. Eu estava prestes a fazer um comentário sarcástico com Jay sobre como era estranho que Carter estivesse em todas as panelinhas do colégio quando de repente...

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Aloha meus queridos, como estão? Como prometido aqui está o primeiro capitulo dessa nova versão. Para os antigos leitores: vocês conseguem ver as mudanças? Para os novos leitores: vocês estão gostando? Espero que sim. O próximo capitulo vai vir o mais rápido possível, prometo. Me contem o que estão achando. Love you all!!

Emily ParkerOpowieści tętniące życiem. Odkryj je teraz