19 [a•fron•ta]

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[ofensa lançada contra uma pessoa, ou grupo de pessoas, em sua presença ou em público; insulto, ultraje.]

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HARRY

As últimas notas saem arrastadas, mas pelo que parece, ninguém além de mim percebe isso. Termino a canção e olho para o salão, ganhando absolutamente nada em retorno pela minha performance questionável de Garota de Ipanema. Os clientes ricos continuam focados em seus jantares de negócios e taças de vinhos com a família, fingindo que eu não existo.

Eu queria não existir num momento assim, mas o que posso fazer? Um homem tem que pagar as contas e se for tocando para pessoas que não me valorizam, que seja.

Já estou trabalhando nesse restaurante como pianista à umas três semanas, mas o expediente aqui ainda não deixou de ser um desafio ao meu orgulho e autoestima. O gerente, o Sr. De Luca, continua sendo intragável e eu acabei descobrindo, da pior forma, que os outros funcionários aqui também não são flores que se cheire. Eu já devia saber que expressar minha opinião sobre alguém com outra pessoa que não conheço é insensatez, mas tive que aprender com minha ingenuidade a não confiar em ninguém por aqui.

É como estar num ninho de cobras.

Apenas três semanas, mas eu tive que me virar para conseguir um terno decente, assim como um par de sapatos. Não saiu barato e eu passei dias comendo macarrão instantâneo no almoço, até poder me estabilizar outra vez. Pelo menos o Sr. De Luca não implica comigo por conta da vestimenta e eu tratei de arranjar bons repertórios, só para ficar longe da mira dele e continuar ganhando minha grana semanal.

Se ao menos a grana que eu faço no Poison Ivy fosse o suficiente, eu poderia dar adeus a esse restaurante, mas tenho que prosseguir nos dois empregos pra sobreviver. Tem uma garota nova lá, aliás. Uma loirinha cuja o rosto não se move ao sorrir e que fica me encarando vez ou outra. Eu procuro não olhar pra ela por mais de dois segundos, pois sinto uma súbita vontade de consertar a expressão facial dela (e também porque Charlotte me mandou não implicar com a garota).

E por falar no diabo...

As coisas entre a Char e eu estão cada vez melhores e agora eu tenho que beber suco de abacaxi pelas manhãs, o que não é nada incômodo, principalmente porque ela tem planos para isso; planos que me interessam muito.

Além do sexo, sinto que Charlotte e eu temos ficado mais próximo um do outro, que uma certa conexão se formou entre nós, assim como uma espécie de rotina que só nós entendemos. Ela passeia pelo meu apartamento com alta frequência e, apesar dos milhares de defeitos do mesmo, eu tenho ficado cada vez menos envergonhado dele. Ela nunca ligou para a simplicidade da minha morada ou desdenhou de mim por isso. Mas nós passamos a maior parte do tempo na minha cama, então eu acredito que não sobra muito pra esse tipo de julgamento.

Ela é, de longe, a melhor que eu já tive, a amiga colorida mais talentosa que eu já tive o prazer de experimentar e eu quero que isso dure muito mais do que posso quantificar agora. Charlotte me faz sentir como eu nunca me senti e eu sei que as melhores transas da minha vida foram com ela. Aquela mulher me algemou numa cama e me fez implorar de uma forma que faz meu pau pulsar só de recordar. Nunca pensei que poderia ser tão submisso no sexo como fui com ela, mas Charlotte tem algo que simplesmente me aprisiona e me contamina, até me conseguir de joelhos no chão de sua cozinha.

E ela me faz querer mais, sempre mais. Eu nem sabia que isso era possível, mas é e eu sonho acordado.

Me assusta às vezes perceber que esse mais vai além dos lençóis, no entanto.

𝗙𝗲𝘁𝗶𝘀𝗵 • H.S.Where stories live. Discover now