33 [pe•ri•pé•ci•a]

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[momento de uma narrativa em que se altera o curso dos acontecimentos de maneira inesperada e modifica a situação, assim como o modo de agir dos personagens.]

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Músicas para o capítulo:
Use Somebody - Kings of Leon
Open Your Eyes - Snow Patrol



CHARLOTTE

Autossabotagem. Agir contra si mesmo; boicotar suas chances de sucesso e/ou produtividade. Eu tenho pensado muito nisso, mais especificamente em a quanto tempo eu venho fazendo isso a mim mesma.

Gostaria de poder dizer que cometi um erro, mas não seria verdade. Um erro é quando você faz ou diz algo que não é correto moral ou eticamente, mas que você não tinha conhecimento de que era errado. Entrar no banheiro masculino sem olhar a placa é um erro. Perguntar de quantos meses uma mulher está sem que esteja realmente grávida é um erro. Esbarrar em alguém que estava atrás de você é um erro. Contudo, seduzir um homem que se diz apaixonado por você, mesmo que não tenha intenção de sustentar os supostos sentimentos dele, só para não ter de dizer que se arrepende de alguma grosseria é uma decisão. Uma decisão infeliz.

Eu tomei uma decisão reprovável e me sinto horrível por isso. Mas acho que isso não muda nada. Já está feito e agora ele me odeia. Ele me odeia e eu não o condeno. Não o condeno, pois condeno a mim mesma pela decisão.

Naquela noite eu deixei o apartamento dele completamente destruída por dentro. Eu sentia nojo de mim mesma por ter feito algo tão baixo. A dor no rosto dele quando percebeu as minhas reais intenções, a decepção em entender do que eu fui capaz é algo que não consigo tirar da cabeça.

Fiz o que fiz por desespero, não tinha ideia de como melhorar as coisas entre nós de um forma que estabelecesse minha posição inflexível. Bom, quem eu quero enganar? Senti falta dele, de seu gosto e calor. Eu o queria, odiei tê-lo perdido e queria tentar recuperá-lo. Porém, acabei cometendo um erro ainda maior. Ou devo dizer tomei uma decisão ainda mais arrasadora, já que eu tinha plena noção de que era errado e ainda assim segui em frente.

Decisão lastimável.

Fui dormir em lágrimas naquela noite, decepcionada, envergonhada. Conclui duas coisas enquanto soluçava forte com a cabeça enterrada no travesseiro: 1) Harry foi a exceção que eu nunca deveria ter deixado acontecer; e 2) o sexo, mesmo sendo o elemento principal - e que deveria ter sido o único - da nossa dinâmica, foi a razão da nossa ruína. Em outras palavras: só porque você pode, não significa que deva. E nós não deveríamos.

Não deveríamos, porque combinamos muito bem - bem demais. Não deveríamos, porque por mais gostoso que seja, trás complicações demais no fim das contas. Não deveríamos, porque em momentos de vulnerabilidade, é onde estamos mais suscetíveis a adentrar riscos que não desejávamos. E nós, oh, nós estamos vulneráveis.

A lâmina corta, desliza e afunda antes que possa reagir. Na verdade se reage apenas quando é tarde demais.

É tarde demais.

Quando ele entrou no bar hoje, não sorria e seu andar era duro. Passou diretamente entre as mesas e clientes, e se posicionou em seu local de sempre no fundo do salão. Seu local de apresentação já estava arrumado, as caixas de som ligadas, seu banco e pedestal com o microfone disponíveis. Ele tirou o violão encapado do ombro num movimento cansado, descobriu o instrumento com hesitação e se sentou no banco, ficando de frente para a sua plateia. De trás do balcão, o assisti se estabelecendo com grande aperto no peito e na consciência. Seu rosto não mentia, estava deprimido.

𝗙𝗲𝘁𝗶𝘀𝗵 • H.S.Where stories live. Discover now