Confusão

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"A sabedoria consiste na antecipação das consequências"

Norman Cousins

O primeiro dia de aula na escola estadual Gilberto Flores prometia um muito estudo, amizades, amores e, para os alunos do último ano, oportunidades para os próximos anos de suas vidas.

Para Marina Limeira só era o segundo pior dia naquele começo de semana, perdendo somente para o domingo. Nem bem a jovem de cabelos castanhos avermelhados, olhos verdes e corpo magro pisou os pés na sala, foi logo motivo de zoação da turma. Tudo culpa de um filho da mãe sem noção que fizera um horrível desenho dela, uma caricatura sua com testa grande e corpo reto, abaixo escrevera com letras garrafais:

"Marina testuda e plana, não passa de uma___ "

Sentiu uma vontade louca de arremessar as carteiras nos colegas, que riam sem parar desde sua chegada na sala de aula.

Para tentar se controlar apertou os punhos com força, mantendo os braços esticados ao longo do corpo, mas foi um esforço em vão. Sua colega de classe Leona, uma ruiva, de caráter duvidoso e ignorante, decidiu humilha-la ainda mais.

— Aposto que o que completa a frase é o que melhor te descreve, piran...

Antes que a debochada terminasse a frase, Marina desferiu um soco na colega, fazendo-a cair estatelada no chão, derrubando carteiras e cadeiras no processo.

Para seu azar - que não estava sendo pouco naquele começo de semana -, naquele exato momento, a professora biologia entrou. Roberta Campos, uma mulher alta, curvilínea, olhos escuros e cabelo castanho preso num coque, era a professora mais temida e casca grossa. Resultado:

— Marina e Leona para a diretoria!

Assim que Marina e Leona se retiraram da sala, um jovem loiro, pele bronzeada e brilhantes olhos azuis, se levantou indignado.

— Professora Campos, não é justo mandar a Marina pra diretoria. Ela foi atacada pela Leona.

Campos encarou o jovem com um leve sorriso.

— André Marinho sente-se, já vou começar a aula.

Sua voz tinha um tom alegre, mas quem a conhecia bem, o que não parecia ser o caso do jovem loiro, saberia que ela queria poder estrangular o jovem petulante.

— Professora, Marina só revidou, não merecia ser mandada pra diretoria.

— Marinho, se resolvermos tudo na base do olho por olho, dente por dente, logo só haverá cegos desdentados no mundo.

— Hein...?!

Estava na cara que André não entendera o que a professora pretendera dizer, o que causou uma onda de gargalhadas.

— André, seu idiota, senta de uma vez — ordenou o rapaz sentado ao lado de André, Miguel Rodrigues, um rapaz de cabelo e íris em tons escuros.

Sua voz grave fez várias garotas suspirarem abobalhadas, mas em André só causou mais revolta.

— Miguel, seu babaca, porque não faz algo? Marina é nossa amiga.

— Ela é mais forte que nós dois juntos, pode resolver isso sozinha. — Seu olhar passou de indiferente para irritado. — E não me chame de babaca, seu idiota.

Todos observaram André colocar as mãos espalmadas em cima da carteira de Miguel e aproximar seu rosto ao do amigo/rival.

— Ah, e você pode me chamar de idiota, né babaca? — gritou André com raiva.

— Não grite, idiota — retrucou Miguel com a voz controlada, mas pronto para brigar.

Fora de controle André agarrou Miguel pela gola do uniforme azul marinho, obrigando o amigo/rival a se levantar. Ambos já preparavam o punho para brigar quando a professora Campos abraçou André pelas costas, um braço em sua cintura, o outro em seu pescoço, o rosto colado ao do surpreso Marinho.

Ao falar a voz da professora saiu mansa, mas com o tom cruel, causando um arrepio na espinha do jovem aluno.

— Não fui clara o suficiente? Para a diretoria você e seu coleguinha Rodrigues.

— Mas... — começaram ambos a replicar.

— Sem "mas".

Diante dos olhos sanguinários, que mais pareciam de uma cobra pronta para dar o bote, e do tom maquiavélico, os garotos pegaram seus materiais e foram apressados para a diretoria.

Vendo satisfeita o encrenqueiro Marinho e o prepotente Rodrigues saírem apressados da sala, a professora Campos se voltou para os outros alunos com um sorriso radiante. Adorava mostrar que era ela quem mandava.

Voltou-se para a lousa, que fora limpa durante a confusão, e começou a escrever. Porém, alguém teve a audácia de lançar uma bolinha de papel em sua cabeça.

As risadas recomeçaram com força total.

A professora abaixou devagar, as costas tensas e o humor dissolvendo-se, agarrou o papel, o desdobrou e viu o desenho de uma serpente com o seu rosto.

Uma nuvem negra parecia cobrir seu rosto ao olhar para seus diabólicos alunos, a língua deslizou pelos lábios ressequidos dando espaço para um sorriso sombrio.

Todos que estavam rindo ficaram sérios, o silêncio foi geral, alguns até seguravam o ar diante da expressão hostil e da aura maligna que a rodeava a professora.

— Quem fez este desenho? — perguntou com voz arrastada e feroz, as mãos estendendo a folha aberta para os alunos.

Ninguém respondeu.

Impaciente e cega de raiva, a professora Campos se voltou para o primeiro aluno á sua frente.

— Para a diretoria!

A jovem de pele pálida, longos cabelos pretos e olhos amendoados tentou se defender.

— Mas... profe... professora não fui eu... — gaguejou trêmula.

— Diretoria, agora! — berrou a professora a pleno pulmões.

Apavorada, Sophia Almeida correu porta afora como se mil demônios a perseguisse. Correu tão rápido que ultrapassou Miguel, André e até mesmo Marina e Leona, até entrar na diretoria quase sem ar e cair sentada, e desmaiada, na frente de uma surpresa diretora.

Meu Coração quer Amar e ser AmadoWhere stories live. Discover now