Suspensos

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"Gosto de um garoto, mas ele não se toca. Que culpa eu tenho de amar um idiota"

A enfermaria ficava no final do corredor do primeiro andar do prédio do colégio, era um lugar bem afastado do barulho das salas de aula, que ficavam no segundo e terceiro andar. Suas paredes eram pintadas de azul bebê, que particularmente Miguel achava muito infantil, tinha um armário de medicamentos trancado com cadeado atrás da mesa da enfermeira do colégio, duas camas, uma poltrona marrom confortável para a enfermeira e três cadeiras de plástico desconfortáveis para os alunos, além de vários aparelhos que ele desconhecia o nome.

Miguel posicionou uma cadeira de plástico em frente a cama em que colocara Sophia, sentou e apoiou os cotovelos nas pernas, unindo as mãos na frente da boca e com os inexpressíveis olhos negros ficou admirando Sophia, ainda desmaiada. Sem dúvida nenhuma ela era uma das garotas mais lindas do colégio, adormecida parecia uma boneca de porcelana, perfeita e delicada, mas mesmo assim Miguel não conseguia entender as próprias atitudes em relação a jovem Almeida.

Internamente se fazia algumas perguntas.

Porque defendera Sophia quando Marina achara que fora a Almeida que fizera o desenho na lousa? Para ser bem claro realmente duvidava que Sophia fosse capaz de algo tão baixo. Além disso, Marina estava nervosa e espancaria qualquer um que ela achasse que fora o desenhista. O olho inchado de Leona era um exemplo disso.

Porque perguntara se a Almeida continuaria na diretoria? A resposta parecia ser simples: era sua colega, meio esquisita, mas não merecia ficar sozinha com a diretora.

Porque fizera questão de leva-la sozinho para a enfermaria? Simples também: alguém tinha que leva-la. André só faria escândalo e desde manhã queria distância de Marina.

Agora a pergunta que não queria calar, e para a qual não tinha uma resposta coerente: Porque diabos estava demonstrando preocupação pela colega com quem mal falava?

Devia ser um surto de loucura, porque não era do tipo que se importava com outra pessoa que não fosse ele mesmo. Se não estava enganado falara isso na diretoria. Sempre achou que cada um devia cuidar dos próprios problemas, era isso que mais o irritava em André, o colega se intrometia nas brigas dos outros o tempo todo.

Mas ao ver a delicada Sophia Almeida desmaiada por causa do amor deturbado que sentia por André, e que só o imbecil cego não via, sentira um estranho incômodo.

No principio achou que fosse piedade, mas logo se perguntou: piedade do que? Se a garota queria correr atrás do maior idiota da escola, que parecia ser o único em todo colégio que não via a adoração por ele nos lindos orbes cor de mel, era problema só dela.

Por isso preferiu considerar que o incomodo foi por ela cair em seu colo.

Não era cego como André - que parecia não notar Sophia de jeito nenhum -, já vira a garota com roupas mais atraentes que a saia preta e o casaco da mesma cor do uniforme escolar, mas especificamente o uniforme da aula de educação física, um short preto e uma camisa branca, que ficavam colados no corpo da Almeida como uma segunda pele, o que fazia vários garotos babarem ao vê-la. Podia não demonstrar, mas era um deles.

Achava impressionante que a saia de pregas do uniforme, que Sophia sempre usava bem abaixo dos joelhos, e o casaco de frio, que ela usava até nos dias mais quentes, escondessem um corpo cheio de curvas, com cinturinha fina, pernas roliças e durinhas, seios firmes e maiores que da maioria das garotas, a tentação com cara de anjo, tentação que tinha um perfume suave de flores que o embriagou desde o momento que ele sentara ao lado dela, que o fizera ter uma vontade louca de pega-la no colo, coisa que ele acabou fazendo, e leva-la embora, só que não pra enfermaria, para um lugar mais reservado, onde os dois ficassem sozinhos e...

— Miguel?!

Droga! Há quanto tempo Sophia estava encarando-o fixamente enquanto ele estava mergulhado em pensamentos nada inocentes que a incluíam?

— Oh, Sophia, acordou!

Pela surpresa da enfermeira da escola, uma morena, de cabelo curto preto e olhos negros, Miguel percebeu que fora há pouco tempo, o que foi um alívio.

Sophia se sentou na cama e passou as mãos pequeninas na saia para desamassa-la.

— Se sente melhor, senhorita Almeida?

— Sim, enfermeira Suzana — respondeu Sophia com um sorriso suave.

Suzana ainda avaliou um pouco a aluna antes de dispensa-la. Ao contrário da tia, a terrível diretora Patrícia, ela era um amor de pessoa, sempre gentil e prestativa com todos.

Sophia se levantou e começou a passar os dedos entre os fios lisos de seu cabelo preto azulado para ajeita-lo, percebendo depois de alguns segundos que o Rodrigues a observava com atenção e com um olhar estranho que a fez corar.

— An-André voltou pra sala?

Corou mais um pouco ao lembrar que André a tocou, na testa, mas tocou. Não conteve um suspiro apaixonado. Caso não fosse tão tímida talvez não tivesse desmaiado quando ele se aproximou muito.

Notou que o Rodrigues agora a encarava parecendo meio irritado. Se bem que ele sempre estava irritado com alguma coisa ou pessoa.

Todos nós fomos suspensos. — Miguel fez questão de frisar o "todos", porque ela só parecia lembrar do seu adorado André.

— Su-sus... Suspensos...?

Sophia gelou até a alma só de imaginar a conversa entre seu pai e a diretora, realçando a cada momento o quanto ela era o desgosto para os Almeida.

— Não se preocupe. Ela não chamou nossos responsáveis — Miguel esclareceu ao perceber que ela estava mais pálida que de costume e ter uma leve ideia do motivo.

Isso tranquilizou em parte a Almeida. Agora tinha de pensar no que fazer até chegar a hora de voltar para casa ou em que mentira contar aos empregados, que estranhariam sua presença tão cedo em casa. E continuava sendo péssima em mentir.

— Pode me acompanhar ao Gelados.

Ao ouvir a proposta inusitada do Rodrigues, Sophia o encarou surpresa e um pouco corada. Ele estava convidando ela para sair?

— André e Marina estão me esperando lá.

Sentiu-se uma tonta. Lógico que não seria um encontro, e mesmo que fosse não aceitaria... Se fosse André... Sentiu um pouco de decepção por não ter sido André a ficar do seu lado na enfermaria.

— Você vem ou não?

Percebeu que o Rodrigues já estava do lado de fora da enfermaria e a estava encarando com o olhar gélido e as mãos nos bolsos da calça social preta do uniforme a espera de sua resposta.

— Si-sim.

Começaram a andar lado a lado para fora do colégio em silêncio total.

Miguel tentava convencer a si mesmo que só chamara a Almeida para acompanha-lo por pena. Ela parecera tão preocupada com a suspensão, com certeza nunca passara por uma situação dessas. Além disso, mesmo com o pouco que conhecia sobre a família dela, sabia que o pai de Sophia, Tomás Almeida, era severo e a castigaria sem pestanejar se soubesse da suspensão.

Sophia tinha um jeitinho de que a qualquer momento quebraria, era impossível não sentir vontade de protegê-la. Lembrou-se de seus pensamentos pecaminosos na enfermaria. Sacudiu a cabeça para afastar a loucura que o levava a imaginar-se beijando a colega.

Estavam a poucos passos do Gelados, já podiam ver André conversando com Marina, faltava bem pouco para chegarem perto dos colegas sentados bem próximos, de frente um para o outro sem perceber que se aproximavam de tão entretidos na conversa, quando aconteceu algo totalmente inusitado, tirando o chão da Almeida e fazendo um sorriso malicioso de canto aparecer no rosto normalmente frio do Rodrigues.

Sophia sentiu as pernas ficarem bambas e buscou apoio na coisa mais próxima a suas pequenas mãos: o braço de Miguel.

Percebendo que a colega acabaria por cair, Miguel a sustentou envolvendo a cintura dela com o braço.

"Aquele definitivamente era um dia cheio de surpresas", pensou o Rodrigues começando a arrastar Sophia para mais perto de André e Marina.

Meu Coração quer Amar e ser AmadoOnde as histórias ganham vida. Descobre agora