Lamentável

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"Todos caem, mas apenas os fracos continuam no chão".

Bob Marley

Sentada ao lado de Olívia, para tomar o café da manhã, Sophia balançava o copo, observando sem interesse o conteúdo laranja girar, a mente longe, sem o menor traço de fome.

– Sophia?!

Ergueu a face e encarou o pai, dando-se conta que não era a primeira vez que ele a chamava.

– Quero saber por qual motivo a diretora Patrícia solicitou a minha presença no colégio hoje?

Não se surpreendia pela diretora requisitar a presença de Tomás no colégio, com certeza preocupada com o que poderia acontecer a reputação do colégio Flores caso seu pai denunciasse a tentativa das colegas de envenena-la. O que era bobagem, Tomás jamais se preocupava com algo além do trabalho. Esperava que, como sempre, ele ignorasse o chamado e pedisse para alguém ir em seu lugar.

– Eh... Talvez seja sobre as aulas extras para o vestibular – mentiu, direcionando a Nathan um rápido olhar suplicante, esperando que ele não revelasse o real motivo de Patrícia.

Aquela altura dos acontecimentos sabia que Nathan não mostrara o vídeo para Tomás, simplesmente porque seu pai não a chamara para ter uma conversa séria sobre o assunto, que normalmente fixava-se no que todos concordavam a respeito dela: Era fraca.

Nathan ficou em silêncio, mas está disposto a contar tudo se Tomás o questiona-se.

– Estarei ocupado o dia todo – Tomás comentou, para alívio de Sophia, e voltou-se para Nathan. – Nathan, me represente nessa reunião.

Embora não fosse necessário, uma vez que Tomás não pedira, ordenara, Nathan concordou com a cabeça.

– O Miguel está demorando hoje – comentou Olívia quando terminaram o café e levantaram para saírem.

– Nós terminamos... – contou desviando o olhar para um ponto entre seus pés, a garganta apertada pela tristeza.

Com a testa franzida, Tomás olhou para a cabeça abaixada da filha com desgosto.

– É uma pena que deixou um partido tão bom escapar. Lamentável!

Sophia levou o punho fechado à altura do coração, os lábios crispados para segurar a vontade de chorar, ou gritar de raiva, pois sentia que seu pai lamentava mais a perda da "aquisição" de um Rodrigues na família do que o seu sofrimento.

Sentia uma mão em seu ombro, pressionando de leve com carinho, e sentiu o calor do primo junto ao seu corpo.

– Vamos juntos, Sophia!

Deixou-se levar por Nathan, evitando levantar o olhar para ver a expressão aborrecida do pai ou a de pena de Olívia.

– Obrigada por não ter mostrado o vídeo e nem ter dito o que aconteceu na sexta – disse após o carro de Nathan sair pelo portão da casa.

– Não agradeça. Só não mencionei nada porque tio Tomás não perguntou o motivo de sua ida ao hospital – informou com honestidade e um traço de desagrado com o desinteresse do tio. Para Tomás se todos estivessem em casa no horário significava que não havia problema para se preocupar. Nathan não gostava dessa atitude omissa, que aprovara o namoro bizarro de Sophia e Miguel e, indiretamente, contribuíra para o ataque que a prima sofrera. – Pelo menos você entendeu que o namoro com o Rodrigues não tinha futuro.

Sophia moveu a cabeça em direção ao perfil do primo, que estava concentrado na estrada.

– Não entendi nada, sequer fui consultada – retrucou irritada com o comentário. – Ele terminou nosso namoro... Mas o convencerei a mudar de ideia – completou determinada.

As sobrancelhas de Nathan se juntaram, formando um vinco em sua testa.

– Pretende voltar com ele apesar do que te aconteceu? — Ignorando o tom áspero, Sophia confirmou e Nathan freou bruscamente, encarando-a com a expressão carregada. – Você quase morreu por culpa dele.

– Não foi culpa dele.

– Claro que foi. Ele não te protegeu como deveria...

Irritada com o que estava subtendido nas palavras do primo, que era fraca demais para se proteger sozinha, Sophia o interrompeu com brusquidão.

– Ele terminou comigo para me proteger, só que não preciso da proteção e sim do amor dele.

– Sophia...

– Não! Ninguém vai conseguir me convencer a desistir do que quero. Posso ser inútil como todos acham, mas não vou aceitar a decisão do Miguel sem lutar.

Surpreso pelo rompante e determinação da prima, Nathan voltou à atenção para frente, colocou o carro em movimento e ficou envolto pelo completo e incomodo silêncio o restante do caminho.

*S2*

Miguel levantou mais cedo que o normal, pegou uma fruta e saiu de casa antes que seu irmão acordasse. Não desejava ser alvo das chacotas e provocações de Lucas naquele dia, que sabia que seria o pior daquele ano. Precisava de mais tempo sozinho, para pensar nas mentiras que dissera para Sophia, que teria de sustentar apesar da dor que infligiria em ambos, na conversa que tivera com Lucas e com André.

Sua mente estava perturbada demais para que utilizasse sua moto, também não havia necessidade uma vez que não buscaria Sophia e morava muito perto do colégio, portanto seguiu a pé, o pensamento longe, deixando toda a responsabilidade de chegar ao seu destino para suas pernas e pés que conheciam muito bem o caminho que deveriam percorrer. Porém, estava tão distraído que passou direto pelo colégio, tendo de retornar vários passos para se posicionar ao lado do portão fechado, as costas tensas se apoiando no muro de pedra.

Conforme os colegas chegavam percebeu que cometera um grave erro: Ficara em evidência. Todos o fitavam com interesse, cochichavam, apontavam discretamente em sua direção e não lhe era muito difícil notar que estranhavam não ver Sophia ao seu lado. Ignorou todos, porém não conseguiu se desviar do interrogatório de Davi, cuja insistência, que nem mesmo Leonardo conseguiu conter, o obrigou a quebra o silêncio.

– Terminamos – contou forçando sua voz a soar indiferente, mas algo em seu interior queria feri-lo, pois logo comentou com amargor: — Agora pode correr atrás dela com sua cara de cachorro sem dono.

Ignorando a ofensa, Davi sorriu.

– Farei exatamente isso, Rodrigues.

Miguel deu de ombros, controlando seu instinto possessivo. Tinha de deixar Sophia seguir sua vida sem ele. Uma resolução que parecia perfeita e possível de se aguentar, até ver Sophia caminhar em direção ao portão com Nathan ao seu lado.

Alheia ao que a rodeava, imersa em suas próprias resoluções, Sophia não o viu, mas Nathan sim e rodeou a cintura da prima com um braço. Sophia ergueu a face surpresa pela aproximação inesperada e corou ao receber um beijo na bochecha.

Com dentes cerrados, Miguel forçou-se a não ceder ao desejo de afastar Sophia de Nathan, desviou o olhar e aproveitou a abertura do portão para sumir colégio adentro. Não que isso o tranquilizasse, afinal, Sophia era sua colega de classe e sentava ao seu lado. Era estúpido, mas lamentou não poder alterar seus sentimentos como pretendia mudar de lugar na sala.

Meu Coração quer Amar e ser AmadoOnde as histórias ganham vida. Descobre agora