Uniforme

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"O ciúme é um latido que atrai os ladrões".

Karl Kraus

Depois de um banho revigorante, que levou embora um pouco de sua melancolia, Sophia informou seu pai sobre seus planos para aquela noite e colocou seu material e uniforme em uma mochila. Com a mochila nas costas, inflou o peito com determinação e desceu as escadas apressada, não parando nem quando Nathan, que vinha no sentido contrário, lhe perguntou aonde ia. Respondeu rapidamente enquanto terminava de descer os últimos degraus e acenou em despedida. Seu coração ansioso pelo resultado do plano de Yasmin, e esperançoso de que fosse positivo.

*S2*

A primeira aula daquele dia era do professor de literatura, Antero Amaral, que estava atrasado, o que fazia com que todos os alunos ficassem fora de seus lugares. Mas não era o atraso de Antero ou a bagunça dos colegas que preocupava Miguel, e sim o fato de que Sophia ainda não chegara, ela nunca se atrasara antes.

— Ei, Miguel, o que tanto olha para porta? – quis saber André encostando o quadril na carteira do amigo. — O professor se atrasar é normal.

— A Sophia também está atrasada e ela nunca se atrasa – comentou, não conseguindo conter a inquietação pela demora da Almeida.

— É mesmo. — André olhou para a carteira da colega. — Será que ela foi sequestrada pelos marcianos? Ouvi dizer que eles só abduzem pessoas inteligentes e a Sophia é super inteligente.

— ...?

Era impressionante o quanto André falava besteira.

— Tô brincando cara, daqui a pouco ela chega. – Sorriu de orelha a orelha. – Admita, essa preocupação toda é porque você é louquinho por ela.

Antes que Miguel pudesse mandar André pastar, a atenção deles foi capturada por vários assobios e frases do tipo: "Oh, lá em casa!", "É a nora que mamãe pediu", "Nossa, que espetáculo". Olharam para o que atraia a exaltação dos colegas, André babando e Miguel prestes a enfartar, tamanha foi à surpresa que o atingiu.

Sophia finalmente chegara e estava parada no vão da porta, bonita como sempre, só que não com sua beleza natural. A boca carnuda brilhava com algo rosa e gosmento, que a maioria das garotas utilizava e Miguel não aprovava. Embora nela lhe parecesse atraente, realçando os lábios tentadores que lhe davam tanta saudade. Porém, mesmo estando tão bonita, Miguel tinha certeza que não era para o rosto dela que os colegas olhavam e sim para o corpo cheio de curvas. Sophia parecia ter decidido vir sem o casaco, no que aprovava, o que ele reprovava era a saia que ela usava, bem acima dos joelhos, mostrando as coxas atraentes para quem quisesse ver e a blusa apertada demais, os botões pareciam querer saltar na altura dos peitos. Pelos olhares masculinos, todos os garotos ansiavam para que saltassem. Céus! Aquela saia era menor que o short de educação física e, definitivamente, aquela blusa não fora feita para o tipo de corpo da Almeida. De que maldito lugar ela tirara aquele uniforme?

Corada da raiz do cabelo, preso em um rabo de cavalo e com a franja presa de lado por uma presilha, até o colo, cuja blusa do uniforme não cobria o suficiente, Sophia caminhou devagar até sua carteira. Tempo suficiente para alguns garotos avaliarem o movimento de sua bunda.

Ergueu o corpo, as mãos espalmadas no tampo de sua carteira, tentando refrear a vontade de esganar os colegas que quase perdiam os olhos no decote da Almeida.

— Mas que... Diabos!

— Nossa! A Soph tem umas pernas... — André começou a dizer calando em seguida ao receber um olhar rubro de raiva do amigo. — Ela ficou uma graça com o novo visual não acha?

Miguel não respondeu. Fora de si foi até Sophia, que o fitou ruborizada e surpresa.

— Caramba, hoje vou ter uma visão e tanto para apreciar! — Falou Silas sem desgrudar os olhos das pernas da Almeida.

— A não ser que queira ficar sem os olhos é melhor que aprecie somente o seu caderno — ameaçou Miguel trincando os dentes, uma aura maligna o rodeando quando parou ao lado da Almeida.

Silas, que não era muito amigo de Miguel, afundou o corpo na cadeira e abriu seu caderno.

Tirou o blazer do uniforme e o estendeu para Sophia.

— Vista! – ordenou.

Ela o encarou e depois fixou rapidamente a vista na peça de roupa.

— O quê...?

— Vista, agora!

Sophia não gostou do tom autoritário de Miguel. Era daquela forma que seu pai, Nathan e a maioria das pessoas a sua volta agiam com ela. Sempre comandando e achando que ela deveria obedece-los em silêncio. Não gostava de discutir, mas não aceitaria aquela atitude nunca mais.

— Me diga o motivo ou não vou vestir.

— Para cobrir esse uniforme... Minúsculo.

— Não é minúsculo – murmurou constrangida, pois concordava com ele, embora não pudesse verbalizar isso. – É do mesmo tamanho do da Marina e da Yasmin. – Apontou para as colegas que observavam tudo, ocultando que era do mesmo tamanho, pois a saia era de Yasmin e a blusa de Marina.

— Você não é elas.

Era aquele momento que Sophia esperava com certo receio, passara a noite toda pensando nele que, ao retrucar, as palavras fluíram com naturalidade:

— E você não é mais meu namorado.

Palavras podiam nocautear alguém? Miguel tinha certeza que sim, pois o que Sophia dissera fora como um soco em seu estomago. A encarou surpreso. Ela o olhava de volta, fixamente com curiosidade. Parecia tão inocente e alheia ao efeito que suas palavras tiveram nele, que o desconcertou.

Sem palavras, Miguel retornou ao seu lugar, os passos pesados e os punhos cerrados para conter a vontade de bater em si mesmo.

Sophia não entendeu muito bem o que acontecera, mas não pode deixar de notar que os conselhos de Yasmin tiveram algum impacto. Só não sabia direito se foram bons ou ruins.

*S2*

De sua carteira Yasmin vibrava com a "briguinha do casal". Conseguira jogar algumas pedras no telhado do Rodrigues, finalmente. Sorriu cúmplice para Marina e André, que corresponderam. Tinham feito um bom trabalho daquela vez.

Assim como Sophia, não tinha tanta certeza se seu plano teria êxito e, visto que tantos outros falharam, não dera grandes expectativas para a colega. Era um chute no escuro, uma ideia baseada no comportamento de Miguel após começar a namorar a Almeida, que, felizmente, parecia ter começado positivamente.

Seu dia só não seria perfeito porque Patrícia não anulará seu castigo. Segundo a diretora, o contrato que fora assinado seria cumprido até o último dia de aula.

Examinou suas pobres unhas, agora curtinhas, respirou profundamente e olhou para a carteira de Leonardo. Com certeza estava aliviado que seu plano, que ele taxara de absurdo, dava mostras de que daria certo.

Sorriu. Cada batalha tem seu tempo. Vão-se as unhas, ficam as pequenas vitórias.

Meu Coração quer Amar e ser AmadoDove le storie prendono vita. Scoprilo ora