10. Ciclo da Vida

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Notas Iniciais

Depois de um capítulo chocante, temos um pouco de descanso... mas não se enganem


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Serpents in my mind (serpentes na minha cabeça)

Looking for your crimes (procurando pelos seus crimes)

Everything changes (tudo muda)

I don't want mine to this time (não quero que seja eu desta vez)

Serpents – Sharon Van Etten


Ao'nung não soube dizer por quanto tempo ficou deitado e chorando com as mãos no rosto.

Ainda não conseguia assimilar tudo o que havia acontecido. Ver Neteyam daquela forma completamente irreconhecível era difícil. Mas o pior era saber que o outro nunca tinha sido sincero sobre seus medos e suas dores. Sabia o quanto a guerra mexia com ele, mas perceber que Neteyam havia escondido tanta coisa dele era doloroso demais.

A brisa noturna era gélida e não trazia qualquer conforto para seu coração ferido. Porém, mesmo o frio não foi capaz de tirá-lo do chão. Depois de mais alguns minutos ouvindo apenas seu próprio choro, Ao'nung sentiu a aproximação sorrateira dos pezinhos do garoto.

Meio insegura, a criança se sentou ao seu lado e ele sentiu um cheiro suave e refrescante antes de tirar as mãos do rosto molhado. Os olhos acinzentados fitavam o herdeiro com preocupação. O cheiro diferente aparentemente vinha de umas pétalas amarelas grudadas nos joelhos do menino, que pareciam feridos por conta da queda momentos antes.

Ao'nung limpou o rosto sabendo que precisava sair dali e curar sua perna dormente. Mas antes, era importante garantir que o menino estava seguro.

— Você não pode ficar andando sozinho na floresta. – Sua voz saiu rouca. – Vou te levar até seus pais e avisar sobre o que aconteceu.

Um arrepio passou por sua espinha ao imaginar Neteyam os caçando neste exato momento. Até pensou em pegar o ikran, mas além de sua perna estar tornando impossível a tarefa de voar, sabia que a missão estaria perdida se fossem vistos pelo Povo do Céu. Ignorando esses pensamentos para focar no grande sangramento que havia negligenciado até então, Ao'nung gemeu dolorido ao se sentar.

Analisou a coxa e trincou os dentes ao concluir que seria uma tortura arrancar o punhal cravado em sua carne. Puxou e soltou o ar profundamente algumas vezes, deixando os dedos roçarem no cabo de madeira da arma.

Por fim, fitou o menino ao seu lado:

— É melhor fechar os olhos.

Obediente, a criança levou as mãos aos olhos e Ao'nung respirou fundo uma última vez antes de puxar o punhal com um único movimento, sem conseguir conter um grito de dor. A arma saiu de sua perna com um som agonizante e imediatamente o sangramento quente aumentou. Ofegante e dolorido, o Metkayina percebeu que estava com grandes problemas ao ver o tamanho do buraco em sua perna. O sangue banhava a grama verde incessantemente.

— Ei. – Chamou o menino que espiava por entre os dedos. – Atrás daquela árvore tem uma lança. Pode trazê-la pra mim, por favor?

Com um aceno, a criança fez o que pediu, puxando a arma pesada que tinha muitas vezes o seu tamanho. Carregou com dificuldade até entregá-la. Ao'nung agradeceu pousando a mão sobre os cabelos ondulados, em um gesto carinhoso. Logo em seguida, apoiando com firmeza a lança no chão, ele se levantou, mordendo os lábios para conter um novo gemido dolorido.

Always Somewhere (Aonung x Neteyam)Where stories live. Discover now