Capítulo 11 - Bruno

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Voltamos do mercado no fim da tarde e me impressionou o fato de Leo não ter estado cansado, ou pelo menos não demonstrava isso. Quando sentamos em volta da mesa para jantar, ele parecia ainda não ter sequer tomado banho depois do expediente e, notei, estava um pouco mais sujo e suado que antes. Me pergunto se enquanto eu tomava um banho relaxante antes do jantar, ele estava trabalhando em casa com sua mãe e meu pai ou lá fora, com o gado.

Mais uma vez durante o percurso até em casa, Leo não conversou comigo. Nunca fui a pessoa mais extrovertida do mundo, muito pelo contrário, mas estar com ele e permanecermos calados me pareceu errado. Gosto quando ele fala comigo porque sempre fui ruim em iniciar uma conversa casual, mas não só isso, também gosto da forma que fala e gosto de sua voz. Ainda assim, também permaneci calado depois de estragar tudo ao deixar minha curiosidade se sobressair a respeito do quanto dinheiro meu pai e sua mãe continham.

Pensar em como sinto falta de momentos tranquilos com Leo não me deixa confuso em relação ao que sinto para com ele, mas me faz pensar em tudo o que me aconteceu recentemente. Então me dou conta que ainda não tinha escrito em meu diário e, nesse momento, se mostra uma boa alternativa para esvaziar a cabeça.

Lembro e escrevo sobre a pequena discussão que tive com minha mãe logo quando chegamos e em seguida me pego sorrindo ao imaginar o garoto tropeçando em minha mochila e sendo repreendido por sua mãe ao falar um palavrão. Então escrevo sobre como me senti triste com a possibilidade de a mudança acabar com o meu relacionamento com Bia, mas me pego frustrado e, ao mesmo tempo, grato, com o fato de tudo ter terminado da forma que terminou. Escrevo sobre a falta de alternativas para cursar faculdade esse semestre e, nesse momento, isso parece o menor dos meus problemas.

Me distraio por alguns segundos, deixando minha mente fugir um pouco do caderno, então ouço o toque do violão vindo do celeiro e me arrasto na cama até mais perto da janela. A cortina está aberta e, ao me levantar para abrir o vidro e poder ouvi-lo melhor, também me lembro de como me diverti, mesmo bêbado demais, com os amigos do garoto que ouço. Leo acompanha a melodia do instrumento com um som inaudível, cantarolando, como se tentasse encaixar uma letra recém-criada com as notas.

Me sento novamente e escrevo como gostaria de ouvi-lo cantar essa música e como gostaria de poder ficar sozinho com ele sem estragar tudo. Em seguida, escrevo que tive ciúmes dele com Mica e penso em como eu poderia tentar me explicar quanto a isso e quanto a tudo o que veio depois. Sinto como se minha cabeça ainda estivesse uma bagunça, mas agora a bagunça acaba relacionada ao que sinto por Leo e não a todo o resto que achei ser importante.

Quando paro de escrever, continuo ouvindo-o tocar, o som que faz é como um ronronar de um gato quando está em repouso e ouvi-lo é tão reconfortante quanto. Imagino suas expressões, talvez sério, talvez sorrindo ou com os olhos fechados. Imagino seu corpo grande, mas relaxado enquanto toca, com seus dedos manuseando as cordas enquanto seus lábios permanecem colados. Não sei precisar quanto tempo fico ouvindo, mas em alguns momentos também fecho os olhos na tentativa de imaginá-lo melhor, e sinto a pouca brisa que entra pela janela no rosto. Até que escuto batidas leves na porta e, com o susto, me viro rapidamente para checar de quem se tratava.

— Me desculpe se te assustei — Isabel levou rapidamente as mãos à frente do corpo, ajeitando a postura ao sorrir — posso entrar?

— Claro — também sorrio para ela.

Isabel usa um vestido estampado como no dia em que nos recebeu, normalmente a vejo usando shorts jeans e blusas leves, que devem facilitar para o trabalho com a sua pequena fábrica de queijos que conduz com meu pai aqui mesmo em sua casa. Ela ainda mantém a aparência cansada e me pergunto se não trabalha demais e se, por isso, seu filho a ajuda mesmo depois de passar o dia na cidade, administrando o mercado.

Como É Que A Gente Fica? (Romance Gay)Onde histórias criam vida. Descubra agora