65. David Brody

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Rachel já não sentia a perna dormente. Ela não conseguira tirar as farpas de madeira da coxa dilacerada e ignorara o sangue que a manchara até se tornar uma pasta escura que já não escorria. A dor intensificara-se e concentrara-se nos cortes afiados no músculo e desde então ela não sabia se conseguia mover a perna. Não tivera coragem de o fazer.

Num momento de fraqueza, ela não resistira em contactar David. Depois de o aparelho ter perdido o contacto fora difícil focar-se em pensamentos positivos. Nos instantes que se seguiram, os sentidos deixaram-na e ela perdera-se no tempo e na realidade, adormecida numa cadência frágil até voltar a ouvir ruídos por perto.

O sono atribulado tornara-se mais leve com o estrondo abafado de uma explosão ao longe, apesar de o reboliço fora do limite protetor da floresta não a ter despertado totalmente.

Apenas mais tarde a consciência voltou, lenta e lânguida, estimulada por movimentos estranhos por perto.

Quando abriu os olhos, desperta, não teve noção do tempo. As luzes do carro estavam apagadas e já era possível ver claridade acima das copas das árvores, assim como as silhuetas naturais dos elementos da floresta. O som claro de passo apressado tornou-se mais próximo e ela ergueu o tronco no mesmo instante que se apercebeu, sentindo uma guinada de dor na perna direita.

A ferida, esquecida naquele momento, fê-la conter um gemido e as mãos procuraram a carne rasgada para pressionar, tentando aliviar o ardor. Quase em simultâneo, a rapariga tateou o chão em busca de algo para se proteger e, em absoluto esforço, recuou como podia até o tronco do carvalho atrás de si quando ouviu com clareza o rápido pisoteio das folhas e galhos.

Ela não estava fisicamente preparada para enfrentar o intruso, animal ou não, e então o sobressalto aliou-se ao alívio em instantes quando reconheceu a nova presença. Brian corria por entre as árvores para a clareira, na sua direção, com Jake às costas.

Depois de conseguir processar o que os seus olhos lhe mostravam, à luz matutina que ainda desvendava muitas sombras, veio a surpresa e então a apreensão e a incerteza. Sem pensar, a loira ergueu-se de repente, ignorando a perna pungente que quase a atirou ao chão de novo, o movimento a rasgar músculo e farpas afiadas a cravarem a carne. Por instinto, ela tentou.

– Jake – murmurou, incitando o corpo ferido a correr na direção deles, em vão, coxeando com a ação. – Oh meu deus, o que é que lhe aconteceu? – questionou, sem esperar uma resposta quando viu o sangue coagulado que manchava as roupas de ambos os homens e a ferida que cobria a mão que pendia. – Ele foi atingido?

Brian ignorou-a até conseguir chegar ao carro, em passo apressado, enquanto o suor lhe escorria pelas têmporas, e Rachel obrigou-se a segui-lo, tentando certificar-se do estado do amigo, ignorando tudo o resto.

Ele está bem – respondeu, finalmente, Brian. O canadiano não olhou Rachel nos olhos uma única vez e ela notou como ele tragava saliva entre as palavras, desconfortável.

A rapariga ouviu novos passos atrás de si, um estalar quase sereno das folhas secas que anunciavam o outono e, ansiosa, virou-se na direção do som, na vã esperança de ser sufocada com o abraço de David a quem ela pedira para voltar quando os trouxesse a todos, sãos e salvos. Todos eles voltaram e, apesar do estado de Jake a preocupar mais do que conseguia exprimir em palavras, Rachel só queria voltar a ter David perto de si. Quando tudo acabasse e eles pudessem voltar para casa.

A expressão ansiosa da loira não esmoreceu quando viu Kim regressar. Rachel sorriu e avançou para a amiga, aliviada por vê-la bem, ignorando as questões que lhe passavam pela cabeça para ela estar tão ferida. Quando procurou a morena para um abraço, demonstrando por gestos o bem que lhe queria, Kim recuou um passo e então tudo mudou. A expressão da mais nova alterou-se e Rachel sentiu a compaixão invadir-lhe o coração quando a olhou.

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