44. És tão giro

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Algum tempo depois, quando o coração dela já não martelava contra a sua face, quando ela já se queixava que a sua barba fazia cócegas nos seus seios sensíveis, ele puxou a sua almofada para perto da dela e deitou-se no lugar que ocupara durante a noite. Acabou por entrelaçar os dedos nos dela, puxando-os para um beijo, quando ela protestou por deixar de sentir o calor do corpo masculino sobre o seu.

Com movimentos preguiçosos e lânguidos, Kim procurou por ele novamente, deitando a cabeça no ombro forte. Ficou naquela posição até sentir os membros dormentes, e então deixou-se ficar. A sua mente voltava a remexer nas memórias que a assaltaram nos últimos dias, e depois de tudo o que havia partilhado com Jake, pensava se não seria o momento perfeito para partilhar tudo com ele.

– Eu... – começou ela, contra o ombro dele, arrepiando-o com o hábito morno – Eu acho que tenho uma irmã, Jake.

– Uma irmã? – Ele virou o rosto na direção dela, mas não se moveu. – Tu lembraste-te?

Kim inspirou o cheiro inebriante da pele quente que se habituara a adorar, e escondeu a cabeça na almofada dele, no perfeito aconchego da curva do seu pescoço.

– Eu não te queria dizer, porque não quero que me mandes embora agora que sabes, mas... – a voz dela saiu demasiado abafada – Mas queria muito que soubesses.

Jake franziu o cenho, fitando o teto enfadonho, e apressou-se a esclarecer tentando puxar a cabeça da rapariga para si, para a poder fitar.

– Eu não te vou mandar embora, Kim. – A morena encolheu-se mais contra ele. – Mas tu tens uma família e lembraste-te.

Família. A reação dela àquela palavra deixara de ter as conotações felizes e esperançosas que todos lhes davam. Finalmente levantou o rosto o suficiente para afirmar, com toda a veemência:

– A minha família são vocês – Jake não a contrariou e os seus lábios apenas se fecharam numa linha fina. – Ela chama-se Missy e é igual a mim – continuou a morena, voltando a deitar-se na almofada dele. – Eu acho que na altura não percebi isso, mas agora vejo que somos iguais.

– Gémeas... – acrescentou ele.

Ela concordou com um aceno, e recordou mais um pouco, forçando-se a voltar à estrada deserta, ao asfalto quente sob os seus pés descalços, e à dor que lhe tornava as passadas vagarosas.

– Eu lembro-me de estar na estrada e de um homem me levar com ele.

Kim sentiu o corpo de Jake tornar-se tenso, apenas não viu a sua expressão, os seus maxilares cerrados. – O primeiro homem bom que me lembro – acrescentou, confundindo-o e impedindo-o de prosseguir com os pensamentos tortuosos.

Ela na verdade tinha memórias boas daquele homem. Pelo menos conseguia recordar-lhe o toque suave e a gentileza com que a cobrira, a compaixão que havia no seu rosto quando viu o sangue que lhe manchava as coxas magras. – Ele levou-me para casa e eu conheci-a.

– Tu não conhecias a tua irmã? – indagou Jake.

– Eu nunca a vi, mas eu sei que a minha cabeça não funciona bem. – o sorriso dela não chegou para lhe iluminar os olhos cinzentos. – E ela também percebeu que eu era deficiente...

Jake interrompeu-a, apoiando-se num cotovelo e erguendo-se para conseguir fitar a rapariga.

– Tu não és deficiente – afirmou, sério – Que conversa é essa?

– Sim, sou. Mas não faz mal, Jake – ela forçou o mesmo sorriso fraco e continuou. – Só que eu sei que ela não gostou que eu fosse assim e atacou-me. – voltou a sentir a dor da lâmina afiada e, por instinto, acariciou o local onde deveria existir uma cicatriz. – Na verdade acho que me queria matar, e é a última coisa que me lembro.

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