12. Dói-me a barriga

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Dia 57

David soltou um gemido ao afundar-se na maciez do colchão e espreguiçou-se com um sorriso. Esticou a mão para o espaço vazio ao seu lado, na esperança de encontrar aquela que o tinha mantido acordado durante grande parte da noite. No entanto, o sorriso desapareceu rapidamente, forçando-o a abrir os olhos e a confrontar o quarto vazio.

– Rach? – chamou, num tom sonolento.

Quase de imediato, o som do autoclismo ecoou e ele esperou que a namorada saísse da casa de banho. Rachel não se fez esperar. A loira abriu a porta e aproximou-se da cama, deitando-se e encolhendo-se. David franziu a testa e acariciou-lhe os suaves caracóis com ternura.

– O que se passa?

Rachel suspirou, virando-se para poder abraçar David, procurando o conforto do seu cheiro e calor. Escondeu o rosto no pescoço dele e murmurou com voz fraca:

– Dói-me a barriga. – David sabia que não devia ter rido, mas não conseguiu conter um pequeno sorriso, achando-a tão vulnerável como uma criança à procura de carinho materno. – Não te rias. – murmurou enquanto roçava os lábios no pescoço dele, enviando-lhe arrepios pela espinha.

David beijou-lhe o ombro nu, expressando a sua compreensão. Deslizou a mão até à barriga dela e começou a massajar suavemente, fazendo-a arquejar e gemer suavemente contra o pescoço dele.

– Isso faz cócegas. – queixou-se ela, sorrindo e puxando-o mais para si. David continuou a acariciar-lhe a barriga e ela acabou por relaxar. – E eu tenho de ir trabalhar.

– Falaste com a Kim ontem? – perguntou David, sem parar de lhe tocar.

– Sim, e tomei uma decisão, mas queria falar contigo e com o meu irmão primeiro. – David olhou para ela, curioso. – Acho que a podemos ajudar, David. – David levantou uma sobrancelha, intrigado, e ela apressou-se a acrescentar: – Ela precisa de alugar um quarto e eu estava a pensar que podíamos fazê-lo aqui. Fico sozinha aqui quando vocês forem embora, e temos dois quartos livres.

– Não acredito que ela tenha dinheiro para pagar renda, Rachel.

– Ela quer recomeçar e, depois da conversa de ontem, percebi que começar aqui seria uma boa oportunidade para ela. – disse com um sorriso terno. David abanou a cabeça, surpreendido por ainda não ter pensado nessa possibilidade.

– És mesmo boa pessoa. – balbuciou, contrariado. Roçou os lábios nos dela, sentindo o forte aroma a mentol. – Não tens medo de receber uma desconhecida em casa?

– Ah, ela é completamente inofensiva e transparente. Basta conversar um bocado com ela para perceber que precisa mesmo de ajuda. Ela está assustada, David. Não saber quem é deve ser terrível, e não me parece que ela esteja a mentir. Ela só precisa de um empurrãozinho para voltar ao normal. Eu sei que a posso ajudar.

– Todos precisamos de ajuda de alguma forma, mas... – ele procurava expressar a sua perspetiva, mas não sabia bem como argumentar. – Tu não sabes nada sobre ela. Ela pode ser menor de idade e ter fugido de casa, quem sabe o que aconteceu entretanto. Pode haver pessoas à procura dela. Ela pode ser de um ambiente perigoso e estar desesperada por um teto. Pode até estar doente e pôr-nos em perigo. Pode...

– Pode ser tudo isso – interrompeu-o. – Mas enquanto não soubermos quem ela é, ela vai continuar a dormir na rua. E eu sei que tu também não deixarias alguém dormir na rua se pudesses ajudar. Eu só pensei em alugar o quarto vago, mais nada.

David respirou fundo, ciente de que Rachel venceria a discussão. Kim parecia ser sincera, mas ele ainda tinha dúvidas.

– Bem... não sei se faria o mesmo que tu.

– Não estamos a comparar...

– Acredita, eu não faria. – assegurou. David era demasiado egoísta para ajudar alguém desconhecido sem esperar algo em troca. Não tinha problemas em admitir isso, já que todos pensavam da mesma forma. Exceto Rachel.

– Talvez o fizesse numa situação destas. – sorriu e entrelaçou os dedos nos dele, fazendo-o parar de acariciar a barriga dela. – Vamos ter todos de nos ajudar uns aos outros se queremos sobreviver. Posso começar já. – David percebia perfeitamente o que ela tentava dizer, mas não queria pensar na possibilidade de deixar a civilização para comportar-se como um animal irracional, regressando aos primórdios. Também não queria pensar na possibilidade de vir a perder alguém durante a crise social e humanitária que se avizinhava. Não se permitia a pensar naquela hipótese. Nunca.

– Não sei se sou capaz.

– Eu sei e não te amo menos por isso.

– Às vezes acho que devias.

Rachel apenas sorriu e roçou o nariz no dele, encostando ambas as testas. Ele fez o que ela pedia sem palavras e beijou-a.

 ***

Dia 60

– Bom dia.  

Jake encolheu os ombros e bocejou, lançando um olhar para Aidan e ignorando a saudação matinal do amigo. O loiro já estava vestido e parecia apressado.

– Onde é que vais tão cedo? – perguntou Jake, mentalmente desejando que alguém apagasse as luzes, já que o hall de entrada permanecia quase na escuridão, sendo apenas iluminado pela luz natural que entrava pela única janela da divisão.

– Já é meio-dia, e prometi à Rachel que ia à farmácia buscar umas coisas, se conseguir descobrir se há alguma aqui na cidade das estrelas. Queres vir?

Jake sorriu, com um toque de malícia, e agradeceu por ter um relacionamento totalmente diferente com David, mas rapidamente negou o convite com um grunhido.

– Já percebi a ideia. – Aidan riu e ergueu as mãos em sinal de rendição. – Eu trago o almoço. – avisou antes de sair.

Jake observou a porta fechada durante um momento, até se lembrar de que tinha que sair da sua própria bolha. Dirigiu-se à cozinha, mas foi interrompido pelo som da campainha. Bufando, voltou atrás e abriu a porta com um gesto brusco, enquanto murmurava falsamente chateado:

– A sério, não consegues lembrar-te de levar tudo, puto?

No entanto, quem estava do lado de fora não era Aidan, nem se assemelhava ao amigo. Quem quer que fosse, não se deu ao trabalho de se apresentar. O punho do desconhecido atingiu o rosto de Jake, fazendo-o cambalear com o impacto. Antes que pudesse recuperar o equilíbrio, o homem empunhou uma arma. Jake teria sido capaz de a desarmar num instante, se o homem não continuasse a atacá-lo cegamente.

***

NOTA DE AUTORA

Oh well... A Rachel está mal disposta. O Jake está prestes a levar a porrada da vida dele. É mais ou menos isso.

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