24. Não saltes!

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Dia 71

Kim parecia verdadeiramente excitada por andar de carro pela primeira vez, desde que perdera a memória. Tudo o que fazia lhe parecia ser pela primeira vez e apesar de se assustar com a maioria das experiências, aquela conseguia ser tão divertida quanto tomar banho. Não tinha coragem de largar o cinto de segurança, por mais devagar que Jake conduzisse, mas não tinha medo. Na verdade sentia orgulho de si mesma por reagir normalmente sem parecer uma criança assustada ou excitada. Gulosa, observava a cidade pela primeira vez e permanecia em silêncio, quieta no seu lugar, sem tocar em nada.

Jake estava à espera que ela remexesse em tudo e chegou a sorrir maliciosamente ao pensar o que faria se conduzisse o seu próprio carro e ela quisesse abrir o porta-luvas. Rachel era uma rapariga organizada e decente e, de certeza, que não haveria nada que os pudesse comprometer aos dois naquele carro alugado. Ainda assim ficou aliviado pelo bom comportamento da rapariga.

– E já temos tudo? – perguntou Kim quando pararam pela primeira vez perto de um supermercado.

– Sim – respondeu Jake, colocando o carro em andamento, novamente.

 Arranjar um estabelecimento comercial aberto fora difícil. As ruas estavam desertas e tudo se refletia nos serviços mais básicos. As lojas eram um autêntico manjar para ladrões, mesmo os mais amadores. Até ele se sentira tentado quando fora obrigado a andar demasiados quilómetros para conseguir o que queria.

– Então e agora? – insistiu Kim, curiosa e deliciada com a pequena viagem.

– Vamos tentar encontrar uma farmácia aberta. Não temos muitas mais oportunidades antes de irmos embora – explicou o rapaz, mais preocupado com o facto de ser obrigado a obedecer aos semáforos quando as estradas permaneciam desertas. Já Kim desviou o olhar da janela, pela primeira vez, e focou toda a sua atenção nele.

– Embora? Vocês vão embora? – Era impossível esconder o abalo que a informação dele provocara. 

– Não... Sim, quer dizer, tu podes vir connosco.

– Para o vosso país?

Não, mas não lho poderia dizer. Não era o momento ideal para assustá-la e magoá-la, quando conhecia a sua fragilidade. Não obstante, quando tudo voltasse à normalidade, quando o estado de pandemia terminasse e fosse possível voltar para a Europa, ela teria de continuar como fizera até conhecê-los. Teria de reaprender a viver sem a proteção dele, sem a hospitalidade de Rachel.

– O David quer sair daqui o quanto antes – continuou, sem responder ao que ela solicitara. – Para o Canadá. Tu podes voltar connosco.

Kim sentiu um arrepio quando ouviu o seu país ser proferido e o medo regressou. Assustada, foi incapaz de esconder o pânico irracional que se apossou dela.

– Eu não quero voltar – silvou, num tom sério e pouco comum. Jake retirou o olhar da estrada para a estudar e percebeu-a nervosa. – Prefiro ficar aqui.

– Sozinha?

Kim apertou o cinto com mais força e esperou que ele a olhasse nos olhos para lhe transmitir confiança, mas não o fez.

– Não, mas tu não percebes. – E ela também não conseguia perceber o porquê de ter tanto medo de regressar ao seu país. – Eu não quero voltar lá de novo. Nunca mais – disse, temerosa. Sentia-se segura com Jake, com Rachel, e não queria ficar sozinha, mas ir para o Canadá novamente iria destruí-la. Nas últimas semanas conseguira renascer, ser finalmente alguém, mesmo sem passado, e era feliz assim.

– Tu disseste que eras de lá – Jake não conseguia perceber o pavor patente na voz dela. – Sabes de onde vieste e é mais do que evidente. Falas francês melhor do que ninguém e assim talvez te lembres de tudo. Talvez encontres a tua família, alguém...

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