20. Eu não quero que chores

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– David?

David reconheceu a voz de imediato, sem saber se sonhava ou se ela realmente o chamava. Abriu os olhos e, à medida que a dormência se afastava do seu corpo dorido pelas horas em que permanecera naquela posição desconfortável, viu-a. Ela acordara, sentara-se na cama e, embora a palidez exagerada do rosto dela denunciasse a doença, ele poderia dizer que a namorada parecia curada.

– Olá – cumprimentou com o maior sorriso que conseguira esboçar nas longas últimas horas. Queria tocar-lhe como se a sua vida dependesse disso, queria vê-la por completo, minuciosamente, para se certificar de que estava tudo bem.  

– Por que não te deitas aqui? Pareces desconfortável... – sugeriu a rapariga num tom tão sonolento que quase convenceu David a juntar-se ao conforto que o convite dela prometia. Quase que se arrastou sobre a cama e se enfiou debaixo dos lençóis. Num último acesso de lucidez, o sorriso desapareceu e ele cerrou os punhos sobre as pernas cruzadas. Afastou o olhar dela, para que este não denunciasse as suas emoções, e concluiu que aquele simples gesto tornara-se impossível. Para sempre. Ela não estava bem e tudo o que podia fazer era olhá-la. Rachel podia estar lúcida o suficiente para o reconhecer, mas em segundos podia atacá-lo sem clemência. Podia não se sentir dilacerada pelas dores agoniantes, devido aos analgésicos, mas tudo estava longe de ficar bem. Como pudera pensar...?

– Não posso... Desculpa, Rachel. – A sua recusa soou tão firme que o surpreendeu. Mas bastou apenas a leve união dos sobrolhos da loira para se arrepender.

Rachel tentou sorrir, algo que ele não conseguiu ver por detrás da máscara, e fechou os olhos, consciencializando-se daquilo que realmente se passava consigo. A rejeição e o olhar de David apenas confirmaram o que ela conjeturara, aquilo em que vinha a pensar depois do despiste de uma gravidez, depois de uma longa conversa com Jake, depois de perceber que a sua memória apresentava falhas e que não se conseguira recordar facilmente de acontecimentos recentes. Não se lembrava de ter atacado David e talvez fosse uma dádiva para aqueles últimos momentos. Ela não precisava de saber que o magoara fisicamente quando a dor espelhada no rosto dele a fazia sofrer por ambos. Em silêncio. À sua maneira.

– Não há bebé nenhum, pois não? – perguntou ela, sem o conseguir fitar. – Tanto embirrei que não queria um... – riu sarcasticamente e respirou fundo quando uma dor pungente a atingiu abaixo das costelas.

– Rach... – David levantou-se, incapaz de continuar naquele impasse, e aproximou-se dela.

– Não faz mal, David. Está tudo bem. Um dia teria de acontecer – apaziguou, apesar de ambos saberem que era apenas uma tentativa de se convencer a ela própria. Ela sabia que estava doente e tudo o que conseguia fazer era manter a calma. Não precisava de pesquisas, bastava sentir.

– Sentes-te melhor? – Ele queria apenas afastar todos os maus pensamentos para o que viria a acontecer.

– Sim – mentiu a loira. – Mexo os dedos dos pés, das mãos e encolho os ombros. Ainda consigo aquecer bastante quando estás por perto e, neste momento, a minha vontade não é ter-te a fazer de médico, a não ser que tenhas algumas fantasias que queiras partilhar.

David tornou a sorrir com a piada tão familiar. Mas fora o tom em que o fizera, fraco, tão diferente do habitual, que o fizera deixar de se conseguir conter.

– Não chores – pediu Rachel, engolindo em seco, sentindo cada lágrima que ele chorava por ela como ácido no seu corpo já débil. – Por favor, eu não quero que chores.

– É impossível, desculpa. Eu mostrar-te que está tudo bem e tentar que ficasse tudo bem! – A raiva e frustração por não poder fazer nada voltavam a assombrá-lo e cada soluço só servia para alimentar tais sentimentos.

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