9. Voltar para casa

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– Como é que é possível?

David tinha acabado de receber um e-mail que mudaria completamente o rumo das férias perfeitas. Só podia ser uma brincadeira de mau gosto, porque, apesar de estar ciente do que acontecia no mundo, nada o preparou para uma situação como aquela. Ele, pelo menos, não tinha previsto.

– Está tudo bem? – inquiriu Rachel depois que ele largou o telemóvel.

– O nosso voo de volta foi cancelado.

– Oh – suspirou a loira. Pelo menos não era nada mais grave que um voo cancelado. – E qual é a nova data?

– Não tem nova data. – David afundou-se no sofá. – Eu não acredito nisto, chegámos aqui ontem... Todos os voos foram cancelados para a Europa.

– Todos?

– Sim, o tráfego entre continentes fechou hoje por questões de saúde pública e sei lá mais o quê. Por causa de uma gripe? É verão!

Rachel repensou nos últimos meses e em tudo o que havia escrito sobre a nova gripe e tudo se conjugava perfeitamente na sua cabeça. Depois dos últimos dias, dos cenários apocalípticos que toda a gente previa e ninguém levava a sério, estava a acontecer.  

– Vão-nos trancar aqui. – disse, com uma calma incomum. – E se isso está a acontecer é porque afinal... – Ela não terminou a frase. Contudo, as suas ideias estavam a ficar confusas. – Vocês nunca deveriam ter vindo... O que é que vos passou pela cabeça?

– Nós vamos arranjar uma solução. – David tentou tranquilizá-la. Nunca tinha imaginado ver medo nos olhos dela quando explicou que não sabia como voltar para casa.

– Quase todos os anos, toda a gente pensa que o mundo vai parar com uma gripe qualquer, mas é sempre um exagero. É só mais uma.

Ele tentou sorrir e aninhou-se junto da namorada, apoiando a cabeça no peito dela. Beijou-lhe o peito e preparou-se para explicar que ela deveria estar mais preocupada por ele estar por perto por mais tempo do que o planeado, quando ambos ouviram o som característico de uma porta a bater.

– O que foi isto?

Jake desceu as escadas a correr, praguejando.

– É o teu irmão... – clarificou Rachel.

– Não quero mais desculpas! – berrou Jake, levando David a crer que o irmão tinha enlouquecido de vez.

– Mas não estou a pedir desculpa! Só quero... – Kim corria atrás dele, praguejando também, mas calou-se de repente ao ver David e Rachel no sofá, a olharem para ela.

– Já chega! Vamos acabar com esta palhaçada. Nem penses que deixamos uma miúda como tu ficar aqui em casa. – Jake parecia prestes a explodir a qualquer momento, mas David decidiu interromper a discussão.

– O que se passa aqui?

– O que se passa... – começou Jake, exasperado.

– Por favor – suplicou Kim, tremendo tanto que Jake quase se sentiu culpado pelo que estava a fazer. Mas afinal ela era mentirosa e uma desconhecida. E agarrada. Não sabia o quão instável ela podia ser e não colocaria em risco a segurança das pessoas que amava por causa dela.

– O que se passa é que ela não pode continuar aqui assim! – vociferou, engolindo em seco. Porque estava tão alterado quando a solução era simples? Era demasiado fácil, na verdade.

– Não podíamos ter esta conversa mais tarde? – David ignorou a birra do irmão, revirando os olhos e tapando-os com a mão.

– Vou buscar a minha mochila... – Kim sabia que ele não a ia ajudar. Sabia que a ia expulsar e que estaria na rua dentro de cinco minutos, fosse a bem ou à força. Escolheu a primeira opção.

– Tu não sais daí! – ordenou Jake, exaltado, apontando para ela. Kim encolheu-se instintivamente e ele esfregou os olhos, soltando um suspiro, numa tentativa de se acalmar. O que é que estava a fazer? Quando tinha sido a última vez que tinha sido tão violento com uma rapariga? Não conseguia lembrar-se. Nem entendia porque estava a reagir tão intensamente a alguém que não conhecia. A questão era que tinha visto o estado dela. Debilitado, o corpo magoado e magro. As roupas provavelmente roubadas e uma mente  confusa por não saber existir sóbria. Não podia confiar numa pessoa que se destruía por um vício doentio. Mas talvez a pudesse ajudar.

Não queria magoá-la, apesar de tudo. Ela era tão jovem... Talvez devesse ponderar e julgar depois, mas não permitiria mais mentiras.

Por favor, não me julgues por querer sentir-me bem. Conhece-me primeiro e ajuda-me a conhecer-me.

Expeliu um profundo suspiro e fechou os olhos quando recordou as palavras dela, há momentos. Como é que não a ajudaria quando ela estava ferida, débil, assustada e desesperada?

Mais calmo, engoliu em seco e olhou-a novamente, dando-lhe um voto de confiança que nunca pensou que daria. Iria permitir-lhe recuperar, como qualquer pessoa merece, e depois voltariam ambos às suas rotinas.

– Ela não pode continuar nesta situação, sem saber quem é nem ter para onde ir – começou, sem saber como terminar a frase. – Talvez...

– Devíamos ajudá-la, então – concluiu Rachel, olhando para Jake de uma forma que o irritava profundamente. Fazia-o sentir-se pequeno e exposto, sabendo que ele também estava exposto.

– Talvez – concordou, resignado.

– Sim, e tanta discussão por isso? Vê se te acalmas, Jake – asseverou David, sério e ainda tenso. – Temos problemas bem maiores em mãos neste momento. Tipo como voltar para casa sem ser a nado. – Levantou-se do sofá e saiu da sala, deixando o irmão e namorada perplexos. Rachel olhou para Jake por alguns momentos, com um olhar silencioso que prometia uma longa conversa, e depois desviou os olhos para Kim, que não desgrudava do rapaz.

A loira sorriu maliciosamente e imitou o namorado, saindo. 

– Obrigada – murmurou Kim quando ficou a sós com o rapaz que temia e, agora, admirava. Fechou os olhos e sorriu interiormente, sentindo um enorme alívio. Apesar de tudo, estaria eternamente grata.


***

NOTA DE AUTORA

Esta história da droga da Kim é muito importante. Tão ou mais importante quanto o facto de eles estarem presos nos EUA e não haver forma de voltar.

Não se esqueçam de irem votando caso tenham gostado. Espero pela vossa opinião, caso a queiram dar. 

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