3. HCC K42

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JAKE BRODY estava em Hollywood. Após um ano tumultuado que o levou a mudar drasticamente o rumo da sua vida, ele foi arrastado para fora de casa e do seu novo emprego pelo irmão mais novo e pelo amigo de infância mais irresponsável que conhecia, tudo para conhecerem a Califórnia. Aos vinte e sete anos, estava em Hollywood, e não se conseguia lembrar de um lugar pior para estar.

Jake não era um homem que se deslumbrava facilmente. Quando serviu nas Forças de Defesa do seu país, viajou mais do que a maioria das pessoas, mas nunca tinha experimentado uma cidade como Hollywood. A sua cidade natal, Cork, na Irlanda, com as suas ruas estreitas, canais e arquitetura georgiana, tinha um charme europeu e misterioso. Mas Hollywood era simplesmente tudo o que ele viu nos filmes e não queria para si. Ele estava na Terra do Cinema, e sabia que se explorasse as ruas daquela cidade, provavelmente cruzaria com uma celebridade e encontraria casas que levariam mais de três vidas para comprar. Como é que Rachel, a sua Rachel de caracóis loiros, que ele conhecia desde sempre, tinha ido parar a um lugar como este?

– Jake! – uma voz feminina guinchou de repente.

Antes que pudesse reagir, a rapariga loira já se lançava para o seu colo, fazendo-o cambalear e quase cair para trás, e beijava-lhe o rosto repetidamente. Como é que ele não a tinha visto sair do edifício se estava ali à espera o tempo todo?

– Eu não acredito que tu também vieste!

Jake limitou-se a abraçá-la, sorrindo enquanto os cabelos da rapariga lhe faziam cócegas no rosto.

– É... parece que vim, miúda, mas aconselho-te a descer porque senão vamos cair e o David faz de mim um homem morto – aconselhou ele, divertido.

– Eu ainda não estou a acreditar que vocês estão mesmo aqui... Será que veio mais alguém? Pelo menos apresentem-se todos ao mesmo tempo! – continuou ela, entusiasmada. – Como é que conseguiram convencer o Jake a sair de Cork? – perguntou a David e ao irmão.

– Eu não queria... – começou Jake.

– Ele precisava de férias. Na verdade, todos nós precisávamos. Este ia ser o primeiro ano em que passaríamos as férias separados, então eu pensei... – David falava com entusiasmo.

– Eu pensei... – interrompeu Aidan, com uma tossidela propositada.

- Nós pensámos – corrigiu David. – que seria perfeito se viéssemos ter contigo.

Jake ficou em silêncio, apreciando o sorriso radiante no rosto de Rachel. Ele não admitiria, mas tinha sentido imensas saudades dela. Além do irmão, ela era a única pessoa que conseguia ler verdadeiramente o que se passava na sua mente. A única rapariga que o via como ele realmente era.

Os devaneios dele foram interrompidos pela mão suave de Rachel, que guinchou infantilmente contra o braço dele.

– Não imaginas como estou contente por teres vindo com eles.

Ele esboçou um sorriso que não lhe chegou aos olhos.

– Eu já sabia que começares a gostar mais de mim do que do David não ia dar bom resultado – brincou Jake, provocando-a. – Olha para isto... Ele está mesmo aqui, e tu estás agarrada a mim.

David também riu. Nunca teve ciúmes da relação próxima entre a namorada e o irmão. Antes de se tornarem um casal, David e Rachel eram amigos verdadeiros, amigos há mais tempo do que conseguiram lembrar.

Jake poderia ter-se sentido desconfortável com uma rapariga bonita, jovem e afetuosa a atirar-se para o seu colo, beijando-o, mas a relação deles já tinha ultrapassado esse tipo de barreiras. Conheciam-se melhor do que ninguém e ambos partilhavam um amor incondicional pela mesma pessoa: David.

– Continuas o mesmo totó de sempre, Brody.

Rachel sorriu, acenando ligeiramente, concordando com a afirmação que era absolutamente verdadeira. Jake não tinha mudado. Continuava brincalhão, trocista, e bonito. Desde criança que se lembrava dele exatamente assim. Talvez não o achasse bonito ou afável na infância, mas conseguia reconhecer, com o passar do tempo, que sempre o tinha sido. Tinha amadurecido e tornado-se responsável e adulto, mas a essência do rapazinho que detestava as brincadeiras de menina dela continuava lá, no homem trapalhão, mas sobretudo amigo.

 *** 

Ela estava sentada num banco de jardim há já algum tempo, olhando para o vazio com um olhar distante. Tinha percebido recentemente que a sua mente parecia estar a jogar contra ela, a confundi-la e a fazê-la sentir-se a pessoa mais impotente e miserável do mundo.

Sentia-se absolutamente estranha. Não tinha memória de se ter sentido assim alguma vez, tão indisposta, desorientada e perdida. Estaria a ficar doente ou teria perdido a memória recentemente? Não sabia, mas rapidamente percebeu que pensar nisso não a levaria a lado nenhum. Decidiu que era melhor continuar na ignorância.

A única coisa que sabia com certeza é que ainda era como uma folha de papel em branco, pronta para ser preenchida com as palavras mais belas ou simplesmente ser riscada até ficar inutilizada, rasgada e abandonada.

Com um suspiro longo e cansado, deslizou pelo banco e começou a observar todos os detalhes à sua volta. Era, sem dúvida, uma cidade bonita. Movimentada, confusa, mas bonita.

E viva.

Sentiu-se a esboçar um pequeno sorriso, o primeiro sorriso genuíno desde que chegara. Não se apercebeu disso, mas involuntariamente começou a acariciar os seus próprios braços, tentando reter aquela sensação de conforto e carinho. Os seus olhos seguiram o movimento lento das mãos na pele, totalmente absorta. Entrelaçou os dedos, sentiu a textura da palma das mãos, reparou nas veias que se destacavam nos pulsos alvos e parou ao notar um estranho símbolo que não fazia parte das suas memórias, assim como aquela cidade e muitas outras coisas.

No seu pulso esquerdo, podia-se ler, em letras pequenas, uma pequena sequência de números e letras: HCC K42. Franziu o sobrolho, tentando lembrar-se do motivo pelo qual tinha feito uma tatuagem como aquela, cujo significado lhe escapava, com um desenho que parecia desajeitado. Passou os dedos sobre a tatuagem e surpreendeu-se com a sensibilidade da pele naquele local. Na verdade, não se recordava de ter visto uma tatuagem como aquela. A pele estava um pouco inflamada, conseguia sentir as cicatrizes avermelhadas sob a tinta.

Com um revirar de olhos e um bufar cansado, concluiu que nada do que fizera antes da perda de memória tinha relevância para si. Porque se continuava a questionar?

***

NOTA DE AUTORA

As personagens estão praticamente apresentadas. Há uma pessoa que eu ando a descrever desde o primeiro capítulo e essa pessoa vai ganhando mais traços e estou quase a apresentá-la. 

De notar que a Uprising não é sobre um triângulo amoroso! O Jake e a Rachel têm uma amizade muito bonita que eu vou explorar ao longo da história, mas ela é uma personagem secundária. Sei que esta ideia vai surgir para alguns. 

UPRISINGOnde as histórias ganham vida. Descobre agora