67. Onde tu estiveres

2.4K 209 61
                                    

Perdido na inconsciência, que ia e vinha e ele não conseguia controlar, Jake sentiu o véu de névoa sobre a sua mente ser levantado, ligeiramente, quando sentiu um corpo quente juntar-se ao seu, escaldante. O perfume característico da rapariga, mascarado pelo sangue e suor que a cobriam, não o conseguiram despertar. No entanto, o seu instinto sabia quem se aproximara e então deixou-se relaxar de novo, voltando para o limbo negro e vago.

Kim aninhara-se no espaço do banco do carro que ele não ocupava, cuidadosa para não tocar a mão ferida ou o ombro baleado. Ela afastou-se o mais que conseguia da faixa branca que lhe cobria parte do membro e do peito, mas não conseguira ficar mais distante dele. Desde que saíram da fábrica, desde que se escondera debaixo da cama do causador de tudo aquilo que a morena ansiava por um momento semelhante. Desde a tarde passada na clareira do riacho, quando tudo ainda era incerto mas real e seguro.

Mais tarde, quando ela sentiu o braço dormente sob si mesma e se remexeu em busca do conforto certo nele, Jake sentiu os cabelos compridos espalharem-se pelo peito nu, aquecendo mais, coçando a pele sensível. Voltando à realidade, afastando o torpor inconsciente, ele ouviu-a suspirar alto, com clareza, confortável e segura contra o seu ombro são.

Sem palavras, porque não eram necessárias, ele virou o rosto na direção dela. Cega e instintivamente, ele procurou por ela e encontrou-a, roçando os lábios secos e gretados pelas têmporas feridas, cobertas de cabelo negro. Kim voltou a deixar escapar um suspiro, que se misturou com o silêncio, reagindo ao toque e dando-lhe as boas vindas, reconhecendo-o.

Jake continuou os carinhos despretensiosos, sem energia para mais, sem querer estragar a atmosfera confortável que os envolvia apesar de tudo.

– Porque é que não me contaste? – perguntou Kim algum tempo depois, quando os lábios masculinos deixaram de ser curiosos sobre a sua pele magoada, os corações batiam devagar, em uníssono, e ela já não sabia se ele se mantinha consciente.

– Contar o quê? – devolveu o rapaz, a voz tão enrouquecida que se ela não estivesse tão perto, se não sentisse o vibrar contra o ouvido, não acreditaria ter vindo dele.

Kim remexeu-se novamente sobre o banco estreito, procurando o olhar azul que normalmente respondia sem dizer, que mostraria a verdade sem pedir.

– Porque é que não disseste a ninguém que estavas doente? – soltou a questão num sussurro, temendo que se falasse alto tudo se tornasse mais real do que já era.

Jake não conseguiu sustentar o olhar cobrador e decidiu-se pelo teto da viatura novamente, enquanto o ar se soltava dos seus pulmões com dificuldade.

– Ia mudar alguma coisa?

A morena ergueu o tronco de repente, surpresa pelas palavras e pelo desprendimento com que eram proferidas.

– Claro que sim – reagiu, unindo os sobrolhos em descrença, forçando algumas das feridas da testa a abrir com a expressão. – Se me tivesses dito não estaríamos aqui e ia ser tão diferente...

Kim sentiu o cotovelo que lhe sustinha o tronco erguido tremer, e Jake continuou focado no teto, como que a ignorando. Ele não podia ignorar que David continuaria vivo se ela soubesse, que ele nunca teria sido ferido, que haveria mais tempo para encontrar a cura se ela tivesse sabido antes.

– Se eu soubesse, Jake, nunca te traria para aqui – continuou a jovem, o tom fraco a evidenciar a culpa e o arrependimento. – Mesmo que o tivesses dito ontem, quando me mostraste...

Ela molhou os lábios ressecados com a própria saliva, amarga, e recordou como Jake adormecera sobre a rocha enquanto ela descobrira o riacho e se deixara encantar por ele; pelo calor que viera do corpo dele e que ela não reconhecera como errado porque nunca procurara o corpo de ninguém antes. Pelo cansaço que se abatera sobre ele depois, pelo suor que lhe empapara a pele e pelas promessas de que tudo ficaria bem.

UPRISINGWhere stories live. Discover now