17. Dói-me só a cabeça

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David acordou quando a sentiu remexer-se ao seu lado. Provavelmente já era de manhã, mas sentia-se cansado o suficiente para ainda passar longas horas na cama. Rachel acordá-lo-ia da melhor maneira, tinha a certeza, mais tarde. Colocar-se-ia sobre o seu corpo semi-nu e cavalgaria infantilmente, como uma criança; depois beijar-lhe-ia a nuca descoberta com um sorriso maravilhoso e ensonado nos lábios ao ouvi-lo gemer e rabujar por mais uns minutos de sossego. Então abraçá-lo-ia e sussurraria bem perto do seu ouvido algo que o faria saltar da cama antes que ela conseguisse raciocinar.

Parou de conjeturar hipóteses carinhosas para o seu acordar e abriu os olhos imediatamente ao recordar-se das longas e dolorosas manhãs passadas. Rachel nunca poderia tornar aqueles momentos rotina quando mostrara imensas dificuldades em se levantar nos últimos dias. Na verdade, Rachel apercebera-se de outras irregularidades em si, mas David parecia alheio a elas. E ela assim o queria.

A loira tentou erguer-se da cama hiperbolicamente confortável com a maior descrição possível. Não se sentia maldisposta e não sentia a habitual ânsia de correr para a casa de banho e vomitar. Nem sequer sentia as náuseas tomarem conta do seu equilíbrio, ou então habituara-se a elas. Naquela manhã a sua cabeça doía e quase não conseguia abrir os olhos pela dor que o simples pestanejar lhe provocava. Sentia as suas têmporas pulsarem como se ali se concentrasse todo o sangue que possuía no corpo, e talvez estivesse certa, pois assim que se levantou e tentou dirigir-se à casa de banho, deixou de conseguir ver e o seu corpo tornou-se frio em segundos. Agarrou-se à ombreira da porta com força e esperou que estabilizasse.

Quando recuperou, surpreendeu-se por não ter que percorrer o resto do caminho sozinha. Antes que conseguisse reagir, já umas mãos dolorosamente familiares a agarravam com firmeza e a encostavam contra o corpo magro. Sem dizer nada, deixou cair a cabeça para trás e encostou-se a ele. Precisava só de recuperar o equilíbrio e então poderia soltar-se. Só uns minutos.

 Vais vomitar de novo?

A voz doce e sussurrante que antes tinha o efeito de a apaziguar agora parecia torturante. 

 Fala baixo – balbuciou num tom impercetível. – Não. Dói-me só a cabeça – explicou, massajando as têmporas na vã esperança de tornar a dor mais branda e suportável.  Oh, dói mesmo muito, afinal – gemeu, com a expressão mais aflita que David já vira nela. Preocupado, suportou o peso do corpo dela, para que não viesse a cair, e tentou levá-la para fora da divisão, para onde ela não deveria ter saído.

 Não é preferível deitares-te de novo?

– Não. – ela disse num fio de voz, soltando-se dele e encaminhando-se para fora do quarto.

– Eu vou buscar-te o que precisares. Deita-te – insistiu o rapaz, impedindo-a de sair e gentilmente impelindo para que se deitasse.

 Não quero, David.

Rachel não sabia o que se passava com o namorado naquela manhã, mas nunca lhe parecera tão insuportável. A sua voz quase dilacerava, apesar do tom calmo e suave que ela já não conseguia reconhecer; o seu toque era repulsivo e desagradável. Ela só queria uma aspirina. Só teria de descer as escadas, e mostrar a todos que o conseguia fazer, e medicar-se normalmente. Não precisava de tamanhos cuidados.

David não pensava de igual forma. Nunca a vira assim e começava a ficar seriamente assustado com os sintomas que ela viera a ter nos últimos dias. Talvez estivesse mesmo grávida e isso confirmava a mudança brusca de humor naquela manhã, assim como os enjoos e dores de cabeça. Talvez, mas não suportava vê-la assim e não poder fazer nada.

 Queres que chame um médico? – Persistente, acariciou-lhe os cachos loiros, afastando-os da face rubra. – Estás com febre, Rachel – afirmou ao tocar a sua pele escaldante.

 Não há médicos e não tenho febre nenhuma. Só calor.

 Mas posso...

 NÃO! – berrou a rapariga, empurrando-o para longe de si com a força que o seu corpo debilitado concedia.  – Não podes e para de me chatear a cabeça que já me dói o suficiente! – tornou a gritar, agarrando-se à cabeça e fechando os olhos com força, num esgar de dor, e deixou-se escorregar até ao chão.

 Rach...

Ela nunca o tratara daquela forma. Nem mesmo quando tinha razões para o fazer. Nunca. Sempre fora carinhosa, apaixonada e nunca o afastara assim. David não queria pensar naquilo como um ataque pessoal e ignorando a afronta, ajudou-a a erguer-se.

– Vem...

 Eu disse que não. – esperneou e tornou a empurrá-lo, a esmurrá-lo cegamente para que se afastasse. – Deixa-me em paz. Para de andar feito carraça atrás de mim como se eu fosse de porcelana. – gemeu, puxando os cabelos, como se estivesse a lutar contra algo que não ele. O alvo não podia ser ele. Não havia razões. Não obstante, David sentiu-se atingido.

 O quê?

 Deixa-me. – choramingou, apesar da súbita irritação.  Não me quero deitar de novo e só me dói a cabeça.

 Ouve, Rachel. Eu não te tratei mal para estares a agir assim. – defendeu-se, mostrando-se ferido pelas palavras dela. Apesar de débil, não permitia que ela o tratasse daquela forma quando ele só queria ajudar. Amava-a. Preocupar-se era pouco. Fá-lo-ia por um amigo, não o faria por ela?

– O problema se calhar é tratares-me demasiado bem! – ripostou, tentando-se levantar e sustentar nas pernas torpes até perder o equilíbrio de novo. David não conseguiu vê-la cair, apesar de magoado, e tornou a segurá-la pelo braço com força. Teria ela ficado ressentida por ele ter insistido para que voltasse para a Irlanda? Teria ficado ofendida por ter insinuado uma gravidez? Ele sabia que não era uma dor de cabeça que iria travar uma discussão, se ela assim o quisesse, mas a rapariga à sua frente não era a menina por quem se apaixonara há anos.

 O que é que se passa contigo?

A Rachel que ele tão bem conhecia abraçá-lo-ia e pediria desculpas assim que visse a mágoa e preocupação nos seus olhos. Mesmo zangada, não o desprezaria daquela forma. Porém a sua Rachel parecia estar longe, pois não sentiu carinho algum quando as mãos da rapariga o empurraram violentamente contra o armário, o fizeram morder o lábio inferior e fechar os olhos ao sentir uma dor aguda nos pulmões pelo embate.

– PÁRA! – berrou, recuando assustada, com uma súplica e dor no olhar. David engoliu em seco e aceitou o berro como se tivesse sido esbofeteado. Mas não teve tempo de se ressentir com a agressão, pois ela caiu, inconsciente, a seus pés.

***

NOTA DE AUTORA

Ora aqui está o motivo para o David ter interrompido a brilhante conversa entre a Kim e o Jake. Este é pequeno, mas importante. Espero que gostem!

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