Capítulo 03 - Calmaria

2.1K 219 114
                                    

O som da bola quicando no chão da quadra comunitária ecoava a distância, como a nota repetitiva da melodia que orquestrava um jogo solitário. Começava a anoitecer, o tempo estava abafado, perfeito para treinar ao ar livre. E Kagami Taiga não perdia uma oportunidade sequer de fazer o que mais gostava.

Movia-se pela quadra vazia, driblando inimigos imaginários, mas nem por isso dando menos de si. O corpo flexível e bem treinado indo de um lado para o outro em fintas imprevisíveis, lances fake que surpreendiam os rivais. A cesta perfeita, que não esbarrava no aro, mas fazia a redinha balançar.

Estava ali a um bom tempo e nem de longe disposto a parar. Ainda que o suor escorresse abundante por seu rosto e grudasse a camiseta nas costas. Não sentia cansaço, apenas aquela empolgação de segurar a bola, dominá-la, mirar. Converter o ponto.

Felicidade era pouco para descrever seu estado de espirito. Viera ao Japão sem grandes expectativas sobre o basquete. Afinal, que tradição aquele país tinha com o esporte? Bons nomes? Sim. Algumas competições marcantes? Como várias outras seleções ao redor do mundo. Mas os grandes nomes, as estrelas que faziam história...? Ah, essas pareciam iluminar as quadras dos Estados Unidos.

Nação que deixara para trás. Deveria olhar apenas para frente e encarar seu futuro, embora se impedir de relembrar o passado fosse difícil.

Mas, para sua surpresa, descobrira sobre um time de gênios do basquete, chamados de Geração Milagrosa, que pareciam monstros de tão bons. Dominavam o esporte com movimentos, jogadas e estratégias quase sobrenaturais. Tão bons que sequer pareciam humanos.

A chance de desafiá-los elevara o espirito de Kagami para níveis estratosféricos. Só de pensar em enfrentá-los seu sangue corria forte nas veias, agitado em expectativa. Não desejava nada além de ultrapassar seus limites!

Enfrentaria a todos no intercolegial e tomaria para si o título de melhor jogador do Japão!

Mas isso não era a única coisa que ocupava sua mente. Por baixo de toda a ansiedade pairava uma sensação estranha, inexplicável...

Uma vez, enquanto morava nos Estados Unidos, Kagami estava em uma praia. Uma pequena e pouco frequentada, por causa das altas e perigosas ondas. Justamente por isso, procurada por vários surfistas em busca de desafios.

Taiga não era o mais experiente dentre todos, mas se arriscava por ali de vez em quando. E a última delas seria inesquecível.

Tudo parecia normal: o mar com as ondas quebrando contra a praia, alguns veteranos se equilibrando sem grandes problemas. O ar estagnado. O silêncio. Anormais. Sim, onde estavam as gaivotas que viviam à beira mar, pescando? Por que aquelas ondas, se o ar estava parado, pesado?

A calma... com exceção das ondas quebrando, nada mais abalava a calma que se espalhava pela praia. Parecia uma cena tirada de um quadro. Uma das facetas do paraíso. Sufocante!

Então um dos veteranos saiu da água, seguido por outro e mais um. Kagami soube com toda certeza do mundo que algo estava errado. Não esperou para ver se acertara. Saiu da praia, junto com os demais. Não foi rápido o bastante a ponto de não ver as nuvens pesadas de tempestade se juntando no horizonte. O céu escureceu e pareceu noite. A chuva veio com força, sem aviso algum.

Nada além daquela calmaria. E justamente por tamanha paz era possível dizer que algo estava vindo. Algo ruim.

Agora a sensação voltara. Muito forte. Tudo parecia muito certo, calmo. Mas um instinto primitivo, algo quase animal, alertava Kagami. A calmaria antes da tempestade. Nada relacionado a praia, evidentemente.

O quê poderia ser? As partidas que enfrentaria no intercolegial? A possibilidade de bater de frente com gênios do basquete? Não. Com certeza nada relacionado a isso. Então o que seria?

Marcado (AoKaga)Where stories live. Discover now