Cortes profundos

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Eu observava as prédios, carros, pessoas passarem como vultos pela janela do carro e o tempo estava horrível. Chovia e o trânsito estava prestes a ficar péssimo, meu corpo estava tenso e sempre que eu me olhava no retrovisor eu tinha medo do meu rosto. Minha maquiagem completamente destruída pelo choro desesperado que tive há meia hora atrás e confesso que por mim, eu ainda estaria chorando.

As vezes olhava pro lado pra ver a Rafaella que engolia seco de 5 em 5 minutos, o olhar dela vidrado no parabrisa do carro me assustava. Pensava no que ela poderia pensar desde o momento em que me levantou da porta da casa do irmão dela até aqui.

Eu estava ferrada e dessa vez não tinha como mentir ou fugir. Chegamos em casa e ela se sentou no sofá ainda calada e eu amaldiçoei minha vida por ter ido atrás do Neymar, coisa que até agora não sei responder porque fui lá.

— Bom, acho que agora eu preciso entender as coisas e por as informações no lugar, não é? -ela me olhava aflita.

Respirei fundo e relaxei meus ombros.

— Rafa, eu já expliquei. Eu só me apaixonei pelo seu irmão e ele não tá muito na fase de relacionamentos... -pura mentira.
— Você não acha que eu mereço um pouco de verdade nessa história? -o olhar semicerrado dela me dava tremedeira.
— Ok... -soltei minha respiração tentando relaxar e me sentei no sofá junto a ela- eu não tenho pra onde correr.

Foram uns quinze minutos ou até mais sem parar de falar um segundo, eu contava todos os detalhes de mim e do Júnior, eu estava desconfortável, me sentindo uma golpista de primeira. E contar a história pra alguém e me escutar falando tudo aquilo me mostrou o quanto eu fui frágil, o quando eu abandonei a Maya Paes guerreira, batalhadora e independente que eu sempre fui desde os quinze anos de idade.

— Eu preciso, preciso que você fale algo... porque eu juro que se eu continuar olhando pra tua cara desse jeito, eu vou pular pela varanda. -engoli seco.
— Não é nada fácil de entender, Maya. -Rafaella falava sério e não me olhava nunca- Eu, eu achava que vocês eram amigos... nada mais que isso! Talvez até tenha os pegado se encarando de um jeito diferente durante o café da manhã lá em casa... mas nada que me convencesse naquela época. Maya, você mentiu para nós!

Finalmente ela virou suas bolinhas cor de mel dos olhos pra mim mas se eu soubesse que o olhar dela fosse tão cruel e matador em cima de mim, eu com certeza não gostaria que ela me olhasse tão cedo.

— Maya, nós abrimos a porta da nossa casa, te demos mordomia, emprego... tudo! Minha mãe te adora mas você? Você é apenas uma garota de programas vigarista e mentirosa.
— Rafa... Rafa não é assim! Eu apenas fiz isso porque queria me vingar do seu irmão. Ele me machucou, eu ainda sofro com nossa relação que nem existe mais... e sobre vocês, sua mãe... eu amo vocês! Eu juro que amo! Vocês foram o mais próximo de uma família que eu tive! Eu jamais faria mal a vocês... eu juro! -minhas lágrimas subiam devagar.
Você mentiu Maya! E o pior, meu pai até hoje se martiriza por você ter pedido demissão... mal ele sabe que foi a melhor coisa que aconteceu na empresa. Você longe de nós!
— Rafaella, não fala assim comigo! -meu choro já não estava preso na garganta- tudo o que eu fiz foi pra ter o Júnior do meu lado, foi por amor... eu nunca, nunca amei ninguém como eu o amo.
— Tarde demais, Maya. Assim como ele quer te ver longe, eu também quero.

Ela se levantou, pegou sua bolsa e foi até a porta... ela estava ficando vermelha por prender o choro mas o ódio era totalmente notável em seu olhar. O barulho da porta foi ecoado pela sala e eu senti vontade de gritar, de acabar com tudo. Eu fui uma completa imbecil, destrui a minha vida por tão pouco...

Me levantei do sofá e arrastei tudo que estava na mesa de centro no chão, o barulho de vidro se chocando no chão me fez surtar e eu gritei. Gritei de ódio que eu sentia por mim, eu fiz tudo errado, eu sempre faço tudo muito errado.

Meu mundo era luxo, riquezas, dinheiro, balada e sexo. E hoje eu tenho o que? Eu transformei minha vida num verdadeiro inferno. Pensei no que eu disse sobre voltar para o Brasil é isso era mais que óbvio agora que todos me odiavam aqui, tirando a Tina... que não sabia de absolutamente nada da minha vida mas se soubesse com certeza também passaria a me odiar.

Minha campainha tocou e no mesmo minuto eu travei, observei a sala completamente destruída pelo meu estrago e respirei fundo, o porteiro não me ligou então só podia ser uma coisa: vizinho.

— Eu quero que você se foda! Tá incomodado com a porra do barulho? Vai pro inferno e chama o síndico, manda ele me dar multa que eu faço ele comer o papel. Some da minha frente! -eu gritei com ódio e fogo nos olhos.
— Mas moça, eu só vim ver o que estava havendo. -o homem disse.
— Você quer saber o que tá acontecendo? Tá acontecendo que eu sou louca! Sou uma completa louca e burra e agora eu tô afim de quebrar minha casa, você pode me deixar em paz? Obrigada!

Bati a porta na cara do babaca e taquei um enfeite de vidro na parede e soltei um grito furioso. Era meu momento, eu precisava extravasar e arrancar de mim aquele sentimento triste mas eu com certeza faria isso se o caco de vidro não batesse no chão e voasse pra cima do meu pé e praticamente rasgado minha pele.

Imediatamente senti minha porta ser aberta e eu me virei pra saber que merda era aquilo e mais uma vez era o idiota do vizinho.

— Eu não vou deixar você surtar sozinha!

Ele gritou comigo, dentro da minha casa? Que tipo de homem ele era? Porque, tinha que ser MUITO macho pra aquilo. Me virei para ele pra soltar alguns murros na sua fuça mas fui impedida pela dor insuportável que meu pé sofreu.

— Aí!!! -gritei e me agachei.
— Seu pé tá sangrando! Tá sangrando muito! -o homem se agachou comigo e realmente, era uma poça de sangue do meu pé.
— Jura? Achei que era refrigerante saindo do meu pé!
— Você é estupidamente grossa e ingrata! -ele me jogou um olhar furioso.
— Ingrata pelo o quê? Eu não te pedi porcaria nenhuma! Na verdade nunca te vi. -cuspi as palavras nele sem pena.
— Então continue se matando aí, eu não venho mais oferecer droga de ajuda nenhuma. Mulher escrota!

Ele se levantou com raiva e foi até a porta sem me olhar, me levantei de presa e tive o incrível ato imbecil de querer correr pra socar a cara dele, porra, ele estava de baixo do meu teto e queria gritar comigo ainda por cima?

— Escuta aqui, seu brutamonte. Você est—

E sim, eu fui impedida pelo meu pé que me fez sentir uma dor insuportável e jorrou mais sangue pra fora, berrei de dor mais uma vez e minhas lágrimas embaçavam minha visão, eu não achei que seria tão sério.

O moço sem demora correu até mim em meio aos cacos de vidro e me pegou no colo me tirando do meu apartamento. Enterrei meu rosto em seu ombro e comecei a chorar, porque diabos a minha vida se virou contra mim do nada?

𝐋𝐎𝐕𝐄 𝐎𝐍 𝐓𝐇𝐄 𝐁𝐑𝐀𝐈𝐍 | 𝐍𝐄𝐘𝐌𝐀𝐑Where stories live. Discover now