CAPÍTULO 13: Um Herói Inusitado

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Não havia um pingo sequer de disposição no corpo de Rebeca quando ela emergiu do meio das cobertas e se sentou na cama ao som ritmado e familiar do piano. Lançou um olhar irritado na direção do relógio que ficava na cabeceira, constatando que ainda não passavam das dez e sentindo o mau humor que pairava ao seu redor aumentar consideravelmente.

Qual era o sentindo de se estar de férias e não poder dormir até a hora que quisesse?

Deslizou os pés para dentro de suas fiéis pantufas azuis, jogou uma água no rosto e escovou os dentes antes de se arrastar para o corredor, planejando ter uma conversinha com sua tia sobre seus horários de prática. Era um tratado antigo da casa que, até que todos estivessem de pé, nenhum som alto seria tolerado – a única pessoa que desrespeitava o acordo quando bem entendesse era Lilian, mas ninguém ousava confrontá-la sobre isso.

Na metade do corredor podia ouvir as notas do piano ressoando com mais clareza e, junto delas, alguns risinhos e resmungos contentes. As teclas estavam sendo pressionadas lentamente, fazendo-a ter de se esforçar um pouquinho para reconhecer Für Elise. Soava como se a pessoa que tocasse o piano estivesse tendo o seu primeiro contato com o instrumento. Rebeca franziu as sobrancelhas. Tia Anne era uma ótima pianista.

Ela se apressou em descer as escadas. Anne realmente estava ao piano de cauda, mas não era ela quem o tocava. Era Noah, os dedos correndo distraidamente pelas teclas enquanto era orientado pela mais velha. Ela se aproximou vagarosamente.

– O que vocês estão fazendo? – questionou cruzando os braços na frente do corpo.

Noah ergueu os olhos do piano e olhou para ela demoradamente, quase como se tentasse ver sua alma através da pele. Rebeca encolheu os ombros, sentindo-se tão desconfortável quanto era possível. Vê-lo era se lembrar de tudo o que tinha acontecido no dia anterior, de todas as maluquices que tinha ouvido e que ainda não tinha decidido se acreditava. Ela pensou que, pelo menos até se acostumar com aquilo, o melhor a se fazer era evitá-lo.

Anne sorriu para a sobrinha.

– Noah estava curioso à respeito do piano e me pediu para ensinar-lhe alguma coisa, mas não achei que ele pudesse ser tão promissor. Mal parece ser um iniciante. – Ela comentou fazendo o garoto desviar os olhos de Rebeca e voltá-los para o piano enquanto sorria, todo cheio de si, e tornava a pressionar as teclas aleatoriamente. – Seria bom se você se interessasse assim pelo piano.

– Você sabe que eu não tenho talento algum pra isso, tia. E, aliás, vocês poderiam ter um pouco mais de consideração com o próximo. – Resmungou, outra vez mal-humorada. – Eu estava tendo um sono realmente muito bom antes de vocês me acordarem com essa aulinha.

Anne ergueu uma sobrancelha diante do tom ranzinza que ela usou e deu um passo à mais para perto dela, as orbes castanhas examinando seu rosto com atenção.

– Falando nisso... seus olhos estão um pouco inchados. E vermelhos. – Rebeca engoliu em seco, fingindo não notar o jeito que Noah olhava para ela. – Andou chorando? O quê houve?

– Eu... – ela limpou a garganta, incerta quanto ao que deveria responder. Fora meio inevitável não passar uma grande parte da noite com a cara enfiada no travesseiro enquanto soluçava. Uma insistente e perturbadora sensação de perda tinha se alojado no peito enquanto ela imaginava como seria se sua gêmea – se é que ela realmente tinha existido –, tivesse sobrevivido ao ataque junto dela: Se teriam personalidades parecidas, se teriam o mesmo fascínio por sorvetes, se seriam daquele tipo chato de irmãs que completavam as frases uma da outra ou se deixariam Lilian duas vezes mais maluca do que ela já ficava apenas com Rebeca. Eram tantos se rodeando sua cabeça que ela ficava tonta.

A Receptora - O Ritual de Iniciação (livro um) Where stories live. Discover now