CAPÍTULO 32: Marcados

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O sol brilhava intensamente através das janelas abertas, iluminando e aquecendo todo o quarto, quando Rebeca, emitindo um choramingo sôfrego, fechou os olhos e colocou uma de suas camisetas favoritas – e que não lhe servia mais há pelo menos dois anos – dentro da caixa de papelão destinada a doação.

– Vai valer a pena – disse a si mesma enquanto fechava a caixa. Haviam outras quatro espalhadas por sua cama – todas etiquetadas com seu respectivo destino: uma para a doação, uma para o lixo e três para o "sótão". Tinha perdido algumas boas horas revirando todos os cantos do quarto para conseguir encher todas elas, mas não se arrependia. A faxina tinha, estranhamente, lhe ajudado. Mal tinha conseguido pregar o olho durante a noite, ansiosa e nervosa demais para conseguir dormir e, quando já não aguentava mais rolar de um lado para o outro no colchão, pulou da cama enquanto o primeiro raio de sol se infiltrava pelas frestas da janela. Estava inquieta desde a conversa com Leo no dia anterior, e contar para os Sábios o que tinha acontecido na Cidade de Prata logo em seguida não tinha lhe ajudado.

As reações que recebera enquanto Noah narrava os acontecidos – ocultando alguns fatos como a ida ao Décimo Círculo e o contato com Maben –, entretanto, não eram as esperadas. Não houve nenhum grito, sermão ou olhar repreendedor que fosse. Os Sábios, na verdade, agiram como se já soubessem de tudo – Hemuri até mesmo riu quando soube da escapada mal calculada pela janela. Apenas quando ela animadamente anunciou que Calista estava disposta a ajudar houve uma reação genuína de surpresa. Narisa havia ficado particularmente feliz com a notícia e imediatamente tinha consultado os outros Sábios sobre a possibilidade deles fazerem o primeiro teste logo no dia seguinte. Para a surpresa de Rebeca, todos haviam concordado.

Mas nem tudo eram flores: Seus ânimos não estavam conseguindo acompanhar tanta coisa ao mesmo tempo, então ela precisou de uma pausa, algo para lembrá-la de que, em partes, ainda era apenas mais uma adolescente comum de dezesseis anos – e não havia nada mais comum do que fazer uma faxina completa no próprio quarto.

Cruzou os braços e olhou em volta, a procura de mais alguma coisa para empacotar, e sua atenção acabou caindo sobre a polaroide esquecida sobre a cômoda. Olhou então para o painel de fotos, percebendo pela primeira vez o quão meticulosa a pessoa que apagara suas lembranças tinha sido. Não havia uma única foto de Brian no painel ou dentro da caixa que guardava aquelas que não usava na colagem. Não haviam sequer vestígios de que um dia tinham se conhecido e ela também não era a única que não se lembrava dele. Havia feito algumas perguntas em casa, questionando discretamente sobre um garoto loiro, mas nem mesmo Elisa sabia de quem ela estava falando – e a mulher nunca esquecia um rosto. Tinha sido um trabalho completo, sem falhas.

– O que você está fazendo? – questionou a voz daquele que, em tão pouco tempo, já havia se tornado uma constante em seus dias.

Rebeca se virou, encontrando Noah escorado no batente da porta, observando-a. Usando jeans e camiseta, ela pensou sem perceber que o fazia. Ele também quase parece um adolescente comum.

– Tentando recuperar o meu celular – respondeu enquanto esticava a mão e abaixava o volume do rádio, impedindo Brendon Urie de completar sua high note. Não via motivo algum para compartilhar que, na verdade, só estava tentando não ter um mal súbito pela ansiedade.

– E como é que essas caixas vão te ajudar nisso?

– As caixas são para me ajudar a arrumar o quarto – explicou pacientemente. – Arrumando o quarto, eu deixo minha avó feliz e deixando minha avó feliz, posso conseguir meu celular antes dos trinta anos.

Noah franziu o nariz.

– Não entendo porquê vocês se importam tanto com essa coisa – disse ele.

A Receptora - O Ritual de Iniciação (livro um) Where stories live. Discover now