CAPÍTULO 42: Enfermaria

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O retorno para Esdom já teria sido desconfortável o suficiente com os machucados e o fracasso em relação ao diário, mas o silêncio arrasador que guiava o percurso piorava tudo em mil vezes.

Rebeca tinha tentado, mas não conseguia dizer uma sílaba que fosse para Noah. As palavras não se formavam e, quando pensava ter conseguido criar uma sentença completa para falar, mal conseguia abrir a boca. Ainda havia muita raiva em seu interior para isso. Por outro lado, não conseguia dizer se Noah estava irritado ou não. A tensão em seus ombros era notável, mas se ela não falava nada, ele tampouco fazia o esforço.

Eles nunca tinham ficado tanto tempo sem dizer nada um para o outro, nem que fosse uma ofensa. Era estranho e incômodo.

Ela tinha convidado os Elos para voltarem com eles, dizendo que podiam arrumar um lugar melhor que um casarão caindo aos pedaços para viverem – embora uma parte sua duvidasse que os Clanorians demonstrariam tamanha bondado ao próximo –, mas eles haviam negado, dizendo que, agora que o ogro já não era mais um problema, estariam seguros ali.

A situação não tinha melhorado quando eles chegaram em Pandora. Tinham acabado de fazer a curva que levava ao estábulo quando a silhueta de Lisandre pode ser reconhecida. Mesmo à distância, sua fúria era notável. Foram dez torturantes minutos de um sermão elaborado e detalhado, narrando furiosamente coisas como jamais depositar uma gota de confiança em Noah outra vez, como os dois tinham sido imensuravelmente irresponsáveis em ir até o casarão escondidos e o que o Congresso faria com eles caso sequer sonhasse com o que tinham feito. Se tivesse a chance, Lisandre provavelmente teria continuado a discursar até o dia se findar, mas Rebeca estava fraca o bastante pela perda de sangue para perder o controle sobre as pernas, que não demoraram nada até ceder e derrubá-la.

Não desmaiou, mas uma nuvem parecia pairar ao redor de sua cabeça, tornando os eventos que se sucederam em um borrão apressado e embaralhado. Sabia que tinha sido carregada – provavelmente por Lisandre – e depois depositada em uma superfície macia, sabia que Mila havia aparecido em algum momento, enrolando ataduras úmidas e grudentas em seus machucados e, graças aos resmungos irritados de Noah, sabia também que ele tinha ficado por perto o tempo inteiro.

A nuvem começou a evaporar aos poucos, permitindo que Rebeca voltasse aos seus sentidos. Ela olhou em volta. Estava em um cômodo cumprido e de paredes altas da cor do gesso, deitada em uma das diversas camas de encosto metálico que haviam ali. Janelas de vitral salpicados em verde e vermelho se alinhavam na parede em sua frente e havia uma portinha solitária do lado oposto a grande porta de entrada. Noah estava sentado na cama ao seu lado e Mila estava com ele, colocando as mesmas ataduras em seus ferimentos.

Ela se contorceu até se sentar, enrolando os dedos no lençol que lhe cobria. Abaixou os olhos, vendo o diário ao pé da cama e só então notando que sua camiseta não estava mais em seu corpo.

– O que aconteceu com a minha blusa? – perguntou afoita enquanto apertava o lençol com mais força ao redor do corpo, sentindo as bochechas ficarem vermelhas com o pensamento de ter ficado apenas de sutiã na frente de Noah.

– Tive de cortar fora de seu corpo – respondeu a feiticeira com uma calma implacável, enrolando ataduras nos dedos de Noah. – Estava imunda de sangue e grudando no machucado da barriga.

Sem conseguir evitar, ela apertou os olhos acusadoramente para Noah. Ele não apenas notou o olhar como o entendeu, esboçando um sorriso tão comum quanto leite com café.

– Relaxa – ele disse – Eu não sou um tarado.

– Ah, claro!– ela retrucou, lançando o sorriso mais afiado que conseguiu para ele – Por que você jamais mentiria pra mim, não é?

A Receptora - O Ritual de Iniciação (livro um) Όπου ζουν οι ιστορίες. Ανακάλυψε τώρα