CAPÍTULO 20: O Décimo Círculo

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A escada levava a um túnel cavernoso, gelado e úmido. Goteiras formavam poças de água no chão, morcegos e outras coisas não identificáveis sobrevoavam a cabeça deles, tochas estavam pregadas nas paredes para iluminar o caminho e uma agradável voz feminina, acompanhada de uma melodia estranhamente familiar, soava pelo túnel, vinda da saída que havia do lado oposto a escada.

Os piores dos piores estão bem ali. Rebeca pensou, seguindo sem pressa alguma atrás de Noah. Só mais alguns metros...

Ela sentia suas pernas ficarem mais moles a cada passo que dava. O coração estava batendo acelerado. As mãos estavam trêmulas. A barriga doía. Duvidava que já tivesse ficado tão apavorada na vida, nem mesmo quando teve de encarar uma Lilian furiosa depois de quase destruir metade da cozinha ao tentar cozinhar um frango. Em contrapartida a seu claro e notável desespero, Noah parecia nunca ter estado tão calmo na vida. Se movimentava dois passos à frente de Rebeca como se já conhecesse cada cantinho daquele túnel – e, bom, talvez conhecesse mesmo.

Conforme se aproximavam da passagem no final do túnel, mais claro ficava que não era apenas a música que podia ser ouvida ali: haviam risadas, gritos festivos e conversas que soavam bem humoradas demais para a descrição que tinha sido fornecida à Rebeca.

Não se deixe enganar por isso! Ela ordenou a si mesma quando seus ombros deram uma sútil relaxada. São os piores dos piores.

Cinco passos depois estava uma cortina fina e vermelha, a última barreira entre ela e o esconderijo secreto do Décimo Círculo. Rebeca respirou fundo e apertou os dedos na manga da jaqueta de Noah enquanto o próprio a atravessava sem pestanejar. Conteve sua enorme vontade de dar meia volta e, finalmente, atravessou a cortina com a sensação de que o coração nunca tinha batido com tanta força na vida.

Os piores dos piores...

Rebeca estava preparada para ver coisas horríveis – carnificina, destruição, pesadelos tomando vida e outros horrores estavam na lista – mas aquilo que viu ultrapassou todas as suas expectativas. O chão era de madeira, assim como o teto e as paredes. A iluminação provinha das lâmpadas fluorescentes pregadas ao teto. Havia um bar, igualmente de madeira, na extremidade oposta a porta. Garrafas, frascos, canecas, xícaras e outras louças estavam dispostos para exibição na grande prateleira atrás dele. Uma pequena porta estava ao lado dessa prateleira, onde Rebeca supôs funcionar uma cozinha. No balcão, estavam pequenos barris de cerveja, decorando-o. Cabines de estofado vermelho estavam apoiadas umas nas outras, com uma parte considerável sendo ocupados pelas mais diversas e divergentes criaturas. Uma parede era reservada unicamente para itens de decoração: penas, um cordão feito de alhos, fotografias, balas prateadas enquadradas, varinhas, vassouras e máscaras. Um pequeno palco se encontrava no canto esquerdo, onde uma banda se apresentava – e Rebeca finalmente pode reconhecer Fox On The Run sendo tocada em uma estranha versão acústica.

Uma garçonete que parecia ter o dobro da idade de sua avó se movimentava pelas mesas, atendendo e levando pedidos, mas Rebeca estava interessada demais na banda para prestar atenção nela. Ao teclado estava um homem de estatura mediana, sua pele era alguma coisa entre o cinza e o azul e pequenas asas pontudas e escuras brotavam de suas costas. Parecia uma gárgula. Uma menina de cabelo descolorido e cheio de fios em verde-água e lilás tocava violão. Tinha grandes olhos em um tom roxo e um pequeno sorriso tímido brotava em seus lábios, que possuíam um sútil tom de verde. Um garoto de cabelo azul e olhos da mesma cor tocava bongós em uma velocidade impressionante – algo que, muito provavelmente, se devia ao fato dele ter dois pares extras de braços. Outro garoto, tão pálido que chegava a assustar, parecia se divertir com seu xilofone colorido. Seus dentes caninos eram afiados e aparentes, como os de um morcego. A vocalista era uma mulher de incríveis olhos amarelados e brilhantes – e Rebeca tentou não encarar, mas se sentiu incapaz de desviar os olhos dela. Ela mantinha um sorriso quase malicioso nos lábios pintados de vermelho enquanto entoava a música do Sweet ritmadamente, e havia alguma coisa na lateral de seu pescoço, alguma coisa brilhosa que sumia pelo decote do vestido vermelho sangue. Ela apertou os olhos. Eram... escamas? Com um pouquinho mais de atenção, Rebeca percebeu que as escamas também desciam por seus braços e envolviam suas mãos e dedos, exatamente como a pele de uma cobra.

A Receptora - O Ritual de Iniciação (livro um) Where stories live. Discover now