CAPÍTULO 35: O Diário da Receptora

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O calor a arrebatou logo em seguida, queimando e derretendo sua pele. Tornando seus ossos líquidos. Parando seu coração. Os segundos se fundiram em minutos que se tornaram horas que giraram em um loop eterno e incontável. Morta, o que sobrou de sua consciência formou a palavra lentamente. O teste deu errado e agora estou morta. E o que restou de seu corpo estava em queda livre. Despencando, se unindo e se atrelando cada vez mais nas sombras e no terror.

Um sussurro embalado por mil vozes a envolveu.

A luz a atingiu em um único golpe. Poderosa e imponente, fazendo as pálpebras fechadas arderem e lágrimas ardentes escorrerem pelas bochechas. Os olhos saltaram arregalados, rompendo a linha que os mantinham fechados e Rebeca percebeu, entre resfolegares altos que, aparentemente, não estava morta afinal.

Estava sentada em um quartinho de paredes brancas e chão de madeira. Uma cama de solteiro revestida com lençóis brancos se encontrava grudada em uma das paredes, uma escrivaninha religiosamente organizada em outra. Um guarda-roupa de duas portas estava próximo da cama e uma cortina simples e branca complementavam o resto da decoração do pequeno quarto. Existia uma porta estreita em uma das extremidades da parede e uma janela pequena perto da cama. Um cômodo frio e solitário.

O calor permanecia ao seu redor, mas em uma temperatura suportável agora.

Rebeca testou as pernas, balançando-as no chão antes de tomar coragem para se levantar. Não tinha morrido. Sua pele não se desfez e seus ossos permaneciam no lugar. Por precaução, levou uma das mãos até o lado esquerdo do peito, soltando um suspiro aliviado ao sentir as palpitações. Estava viva. O problema agora era outro: Não fazia ideia de onde estava.

Conteve um grito quando a estreita porta se abriu e duas garotas entraram apressadas por ela, rindo uma para a outra. Rebeca reconheceu a mãe imediatamente, mas teve de dar uma olhada mais atenciosa na garota de pele escura e cabelos ondulados para perceber que se tratava de Narisa. As duas não aparentavam ter mais do que vinte anos. Natasha correu para a escrivaninha e se jogou na cadeira que tinha ali, Narisa foi se sentar na cama – e nenhuma das duas podia vê-la.

Não sabia dizer se observá-las conversando como se estivesse assistindo televisão era incrível ou assustador. 

– Você vai acabar se arrependendo do que fez – Narisa tentou repreender, mas não conseguia conter um sorriso.

Natasha a dispensou com um balançar de mãos.

– Me arrependo de muitas coisas – ela confessou – Não ter dado ouvidos a Miguel e não ter ido até a Terra antes entre elas. – Existia um tom de divertimento seco em sua voz. – Mas ter quebrado o nariz de Lucian certamente não é uma delas.

Miguel, Rebeca repetiu, espantada. Então o vampiro tinha conhecido sua mãe.

– Coraline vai te esganar, você sabe.

– E eu faria de novo se tivesse a oportunidade – Natasha retrucou, cruzando os braços de forma decidida.

– Ele é seu noivo.

A pequena frase fez Natasha ficar muda, se retraindo como se sentisse dor. Narisa pareceu se arrepender amargamente pelo que disse, mas não conseguiu externar seu pedido de desculpas. Natasha virou na cadeira, ficando de frente para a escrivaninha e abrindo uma das gavetas desta, pegando um caderno encadernado em couro e o abrindo no colo.

– Não vou me casar com ele – disse ela, os olhos cravados nas páginas do caderno, os dedos tremendo, de medo e de raiva. – Nunca. Jamais. Prefiro a morte.

Narisa se levantou da cama, atravessando o quarto em quatro passadas apressadas para apertar o ombro da amiga. Rebeca se aproximou um pouco mais, podendo ler as palavras não ditas através dos olhos escuros da garota. Ela não acreditava que Natasha tivesse escolha.

A Receptora - O Ritual de Iniciação (livro um) Opowieści tętniące życiem. Odkryj je teraz