CAPÍTULO 26: Calista

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Noah já estava de pé quando ela saiu do outro lado do buraco. Olhava ao redor com uma atenção devota que ainda causava estranheza em Rebeca, que já tinha se habituado a versão inabalável e entediada que ele lhe mostrava quase todos os dias.

Estavam em um tipo de depósito de paredes altas e chão de gesso escuro. Altas prateleiras de ferro se dispunham pelo local, formando corredores. De alguma forma, Rebeca se sentiu em uma biblioteca, com o diferencial de que, no lugar dos livros, as prateleiras continham caixas, potes e frascos de tamanhos, cores e formatos variados. A iluminação provinha de três lâmpadas penduradas no centro do galpão e de quatro janelas localizadas perto do teto.

Aparentemente, os dois estavam sozinhos.

– Então, vamos nos mexer ou você pretende ficar parado aqui o resto do dia? – Ela gesticulou para o outro lado do depósito, imaginando que Calista poderia estar escondida por lá.

Noah a lançou uma careta.

– Vá em frente, senhorita apressada.

Rebeca piscou.

– Você não deveria ir na frente?

– E por qual exata razão eu faria isso?

– Você não assiste filmes? – Noah franziu as sobrancelhas e Rebeca se sentiu livre para interpretar aquilo como um não. – Os mais fortes vão na frente, assim, se houver alguma armadilha mortal por aí, você bravamente oferecerá sua vida no lugar da minha enquanto eu fujo.

Noah riu, parecendo exaurido e ofendido ao mesmo tempo.

– Você sequer me chamou para um encontro e já quer que eu morra por você? – ele assobiou, balançando a cabeça. – É mais intensa do que eu pensava, coração.

Ainda rindo, ele se enfiou no meio de duas prateleiras e começou a avançar. Rebeca estava logo atrás, invejando-o por andar daquele jeito despreocupado e silencioso, quase não emitindo som enquanto se locomovia. Ela, por outro lado, parecia ter chumbo preso aos sapatos e os passos ecoavam, estragando totalmente o fator surpresa.

Eles atravessaram o corredor até o final, onde depararam-se com o que parecia ser uma pequena casa improvisada. Havia um sofá vermelho e desgastado e uma poltrona verde com o fundo rasgado ao seu lado. Dois caixotes de madeira serviam como suporte para alguns livros, mudas de roupas estavam empilhadas encima de caixas de papelão e alguns pares de sapatos se alinhavam perto do sofá. Uma caneca, ainda exalando vapor, estava depositada sobre uma mesinha de centro, onde uma maleta escura e um conjunto de xícaras coloridas também se encontrava. Um esconderijo.

A vidente, no entanto, não estava ali.

Havia uma porta entreaberta atrás do sofá e Noah imediatamente começou a marchar até ela. Estava quase ultrapassando a mesinha de centro quando alguma coisa espetou dolorosamente as costas de Rebeca na altura das costelas.

– Mais um passo e sua amiguinha aqui já era! – Brandiu Calista atrás dela, a voz dura e clara. – Vamos logo, garoto! Vire e coloque as mãos ao lado da cabeça.

Noah praguejou, mas obedeceu e ergueu as mãos enquanto se virava com lentidão proposital.

– Você não vai matá-la – disse ele – Tampouco machucá-la.

Rebeca sentiu o cutucão em suas costas aumentar de intensidade.

– Quer tentar a sorte? – sibilou Calista de volta.

– Está blefando – disse Noah, soando tranquilo. Ou pelo menos tentando soar. – Não pode ser tão idiota para fazer algo assim.

– Você está supondo? – Rebeca se horrorizou. – Com a minha vida? Noah, juro por Deus que eu vou enfiar um c-

A Receptora - O Ritual de Iniciação (livro um) Onde histórias criam vida. Descubra agora